Saúde

Covid-19: Caminhar e correr para manter a cabeça sem estado de emergência

Notícias de Coimbra | 4 anos atrás em 19-03-2020

 Caminham ou correm na rua enquanto podem, esperando continuar a poder, numa cidade do Porto que parece “um filme pós-apocalíptico”, mas caminhar ou correr é preciso para “deitar fora as folhas velhas da cabeça”, “apanhar ar” e combater a ansiedade.

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Com uma doença arterial periférica, o empresário Luís Cochofel, de 63 anos, subia esta manhã a Avenida da Boavista sem máscara, luvas ou fato de treino, apenas a roupa habitual para a caminhada do costume por recomendação médica, defendendo que, mesmo em estado de emergência devido à Covid-19, deve ser permitida “alguma atividade exterior”.

“Enquanto caminhamos, as folhas velhas dos pensamentos vão caíndo e vamos encontrando soluções para as dúvidas que, se estivermos quietos, ficam lá, não saem”, contou.

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Com o Parque da Cidade fechado, muitos dos seus utilizadores diários optaram por andar de bicicleta, passear o cão e correr ou caminhar até à beira-mar pelo corredor central da Avenida da Boavista, vedado aos carros, embora muitas vezes eles até faltassem nas vias que lhe estão dedicadas e por onde passavam viaturas da Polícia Municipal a pedir “Fiquem em casa” ou, em francês, “Restez chez vous”, num cenário que a estudante de cinema Débora, de 25 anos, descreve como sendo de um “filme pós-apocalíptico”.

A jovem brasileira, está a fazer no Porto um curso de dois anos, costuma correr no Parque da Cidade e, face à pandemia de Covid-19, só sai “para correr” e “ir ao mercado, uma vez por semana, ou quando falta alguma coisa”.

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“Sempre tem a alternativa de fazer exercício em casa. Mas prefiro sair e tomar um ar”, descreve.

Se o exercício físico na rua for proibido, Daniela “entende”, mas reconhece sentir falta “de sair um pouco de casa”.

“A correr não toco em nada, não tenho contacto com as pessoas. Acho que não é perigoso”, disse.

Aos 63 anos, Luís Cochofrel  espera não se reformar “nos próximos 40 anos”, tal como espera não ficar impedido da caminhada diária, embora em casa andem a gostar cada vez menos das suas saídas.

“Somos quatro em casa. O toque praticamente desapareceu, desde sexta ou sábado. Foi quase que naturalmente. É uma coisa que faz falta. Dar um beijo à mãe dá jeito. Mas não acontece, já”, afirma.

Em casa, “estão muito zangadas” por Luís “estar sempre a sair”.

“Mas tenho indicações médicas para caminhar, idealmente duas horas por dia. Tenho de colocar a questão: prefiro ficar em casa, ter uma gangrena e amputar as pernas ou corro o risco da gripe? Prefiro o risco da gripe”, confessa.

“Moro aqui ao pé do mar. Ir ao mar e voltar não faz mal a ninguém”, resume.

Com 18 anos, Lia Lemos corre todos os dias. Faz parte da Seleção Nacional de Atletismo, as provas estão suspensas, mas o corpo não pode parar.

“Tenho um grupo de treino e temo-nos dividido, para treinar individualmente. Acho que não nos vão proibir. Sou atleta de seleção nacional, teria de fazer tudo em casa. Não podia fazer corrida contínua, por não ter passadeira. Não poder fazer a corrida contínua tem um impacto grande, sobretudo no meio fundo”, justifica.

Daniela Palhares, designer de 48 anos, e o cão, Tamino, costumam sair todos os dias para correr e hoje não foi exceção.

“Tenho mesmo necessidade de correr. A corrida, como qualquer desporto, quando praticado muito assiduamente, cria algumas adições físicas. Criamos alguma substância química que nos vicia e o corpo está sempre a pedir-nos isso. É muito complicado, causa muita ansiedade, pensar em não poder fazer aqueles 10 quilómetros diários que, acima de tudo, nos fazem muito bem mentalmente”, descreveu.

Daniela tem uma empresa, estão “todos a trabalhar a partir de casa desde terça-feira” e correr é rotina diária, “uma hora, três vezes por dia”.

“Tem de ser, por mim e por ele [o cão]”, refere.

Pelo menos o cão “tem sempre de vir à rua”, mas a designer preocupa-se que possa ser “proibido caminhar ou correr ao ar livre”.

“Custa-me muito ter de ficar em casa”, reconhece.

Se a proibição chegar, vai aceitá-la: “não temos outro remédio”.

“Acho fundamental conseguirmos ter o mínimo dos mínimos de condições pessoais para sobreviver a tudo isto. Sou a favor de tudo o que se está a fazer, mas é preciso encontrar um equilíbrio, senão vamos arranjar outro tipo de problemas. É preciso encontrar um equilíbrio com muita sabedoria, ponderação e maturidade”, sustenta.

A cidade está diferente e Daniela acha que, “se no início até pode saber bem, por estar tudo mais tranquilo”, passada uma semana [de menos trânsito e menos pessoas na rua], “começa a afetar psicologicamente”.

“Somos seres de hábitos, vai afetar-nos. Mais precisamente por sermos criaturas de hábitos, vamo-nos habituar. É uma questão de tempo. O tempo é o maior dos escultores”.

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