Opinião

Controlar, mas controlar o quê?

OPINIÃO | PEDRO SANTOS | 7 minutos atrás em 14-06-2025

Começa com uma frase aparentemente inofensiva, dita no café, na televisão ou na fila do supermercado, por vezes até com boas intenções: «É preciso controlar a imigração». Diz-se com a naturalidade de quem diz que vai chover, como se fosse uma evidência. Não se questiona, não se define, não se pensa. Repete-se.

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Mas o que se pretende controlar exatamente? As pessoas que trabalham na apanha da fruta? As que limpam os hospitais? As que nos entregam as refeições quando a preguiça é mais forte do que a fome? As que tomam conta dos nossos velhos enquanto andamos ocupados a dar likes em vídeos motivacionais?

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Por definição, um imigrante é alguém que veio porque foi preciso. Não porque acordou numa manhã solarenga em Islamabad a pensar «Vou ver se apanho um autocarro até Odemira, porque me parece divertido viver em condições de semiescravatura». Vieram porque havia uma vaga. Porque havia falta de mão-de-obra. Porque alguém — uma empresa portuguesa, um patrão português, um sistema português — lhes disse: «Venham!» E eles vieram.

E agora dizemos, quase todos, que é preciso controlar. Traduzindo, que é preciso dificultar, tornar mais duro, mais lento, mais opaco, mais ingrato. Claro que a ideia de controlo da imigração parece estar carregada de bom senso, pois que ninguém gosta de desordem. Mas o que ninguém parece querer ver é que os imigrantes não são a desordem — são a mão-de-obra que mantém a ordem. São eles que aceitam os salários que ninguém quer, os horários que ninguém aguenta, os contratos que ninguém devia assinar. E, mesmo assim, ainda temos a desfaçatez de lhes chamar ‘problema’.

E, claro, entranha-se cada vez mais o anátema mentiroso da imigração como sinónimo de criminalidade, mesmo que todos os dados oficiais apontem para a mentira dessa ligação. O perigo é outro. O perigo tem nome e endereço fiscal. Um criminoso pode vir com visto gold, abrir uma offshore e ir jantar com ministros. Um traficante não precisa de vir escondido num camião — basta-lhe um advogado e um lobby.

Por isso, controlar, sim. Mas o quê?

O sistema que permite a um patrão pagar metade do salário a quem não tem papéis, claro que sim! O senhorio que mete dez pessoas num quarto e lhes cobra uma renda milionária, como não?! As leis que legitimam que se possa dizer a um ser humano que não tem o direito de viver com dignidade, evidentemente! As redes que traficam gente como se fossem paletes de tijolos, urgentemente! Os discursos políticos que metem medo para ganhar votos mas nunca resolvem nada, sem falta!

Existe uma falácia gigante que o sistema capitalista esconde, com enorme sucesso, há séculos: o trabalhador nacional pobre e exausto tem mais em comum com o imigrante indesejado do que com o CEO que faz vídeos a falar em resiliência a bordo do seu iate. São ambos peças de um jogo que não controlam — e que outros jogam por eles.

Por isso, sim, estamos mesmo a precisar de mais controlo. Sobre a exploração. Essa, sim, anda descontrolada.

OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO

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