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Companhia que chegou a Penela há dez anos reflete sobre migração para o campo
A Companhia da Chanca apresenta no sábado naquela aldeia de Penela que lhe deu o nome e onde se instalou há dez anos “S.Ó.S.”, uma peça sobre as migrações da cidade para o campo e as tensões que daí advêm.
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Duas personagens, um homem e uma mulher, decidem abandonar a cidade e ir viver para o campo, à espera que essa mudança para uma vida que imaginam “desacelerada, isolada, mais simples”, traga a transformação que anseiam.
Em “S.Ó.S.”, a Companhia da Chanca procura refletir sobre os novos movimentos que se assistem em Portugal, mas também pela Europa, de pessoas que fogem da cidade e a trocam pelo campo, muitas vezes em torno de uma imagem idealizada e romantizada, disseram à agência Lusa os dois elementos do grupo, André Louro e Catarina Santana, que fizeram esse mesmo movimento há cerca de dez anos, instalando-se, mais os dois filhos, naquela pequena aldeia com cerca de 30 habitantes no concelho de Penela, distrito de Coimbra.
Esse movimento procura ser retratado na peça, na qual há lamentos contra o ruído dos cães ou insónias provocadas pelo cantar dos galos – como se as personagens quisessem o campo moldado à sua imagem e vontade.
A sexta produção da companhia, uma criação de André Louro, Catarina Santana e Nuno Pino Custódio, conta também com um filme, realizado por Rafael Almeida, exibido durante o espetáculo, onde os habitantes da aldeia são figurantes, numa espécie de quase terceira personagem coletiva, aclararam os criadores.
Se no arranque da companhia criaram o “Sítio”, uma peça em torno do olhar de André e Catarina sobre a aldeia que estava à sua volta, em “S.Ó.S.” procuram “um olhar inverso”, que também acaba por se relacionar com os próprios criadores, preconceitos e falsas perceções que tinham quando se mudaram para a Chanca.
“Queríamos falar deste movimento que se acentuou com a pandemia, das pessoas a quererem sair das cidades, à procura de uma vida mais tranquila, mas também das tensões que trazem, pelas expectativas erradas, por uma imagem muito idealizada”, salientou Catarina Santana.
Um dos exemplos dados por André, é a ideia de silêncio.
“Quem vem para o campo pensa: ‘Ai, que bom, o silêncio’. Silêncio, uma ova. Há pássaros, há alguém a roçar, há tratores, há cães. As aldeias têm as suas vivências próprias, não são amorfas e são feitas de pessoas enérgicas, que se levantam de manhã e vão para a labuta”, vincou.
No caso daqueles dois atores, a mudança “foi muito feliz”, mas feita de forma gradual.
“Tivemos sempre essa consciência e esse cuidado de nos mudarmos e de irmos chegando, vagarosa e respeitosamente, mas não somos perfeitos”, apontou Catarina.
Já André recorda uma história de uma aldeia em França em que os galos incomodavam o dono de um empreendimento de turismo rural, que acabou por pôr o dono dos animais em tribunal.
“Existe quase uma ideia de colonização e isso acontece em muitos sítios”, constatou, admitindo esperar que a interferência do casal tenha sido “simpática” e positiva para a Chanca.
Para Catarina, os territórios de baixa densidade também não devem ser vistos como “um reduto que deve ser preservado e salvo de toda a interferência”, mas é preciso, para quem faz a mudança, respeitar quem já lá está.
O processo do espetáculo acabou por ser partilhado com a aldeia e a apresentação prevista para sábado prevê também uma conversa sobre o espetáculo.
“As pessoas vão ter oportunidade de interferir”, acrescentou André.
“S.Ó.S.” acaba por ser uma criação com “alguns anos”, face ao contexto e vivência dos dois atores na aldeia, que também precisaram de tempo para uma apreensão do lugar que ocupam, aclarou Catarina.
“Fomos também reunindo material, falando com amigos que se mudaram, com histórias algumas mais felizes e outras mais tristes”, acrescentou André Louro.
O espetáculo, que conta com apoio da Câmara de Penela e da Direção-Geral das Artes, vai entrar em circulação em 2023, após um primeiro momento de partilha com a aldeia.
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