Quando olhamos fixamente para o sol, não vemos o astro em si, mas um clarão que tudo dissolve, um presente talvez divino, não fosse a cegueira momentânea que nos impõe. Penso, às vezes, no que seríamos se dependêssemos apenas da sombra de uma árvore. Estamos reféns do que o tempo nos concede, talvez eternos devedores da meteorologia, que anuncia, agora, um calor fora de época.
Há quem não goste do sol e quem renegue a chuva. Eu, por minha vez, carrego uma estranha culpa por estes novos ciclos climáticos, como se a humanidade tivesse assinado em conjunto uma fatura que se paga em secas, tempestades e desequilíbrios.
A satisfação humana é coisa fugidia. A cegueira, essa, não aparece apenas quando encaramos a luz intensa: ela esconde-se também nos nossos gestos mais quotidianos. Sou aprendiz. Aprendiz que tropeça, que insiste no erro. Errar, afinal, exige fôlego. É preciso coragem para persistir na falta de coragem. E quantas vezes confundimos esse tropeço com experiência, quando é apenas imaturidade disfarçada.
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Recordo-me de como os segredos excitam a imaginação. Há um, sobretudo, que nunca será revelado, e é talvez nessa eternidade de silêncio que reside a nossa salvação. Vivemos entre ilusões democráticas, partilhadas, que nos confundem a ponto de desvirtuar aquilo a que chamamos de “boas práticas de convivência”.
Nunca comprei sapatos que não coubessem nos meus pés, mas não me iludo: já os feri quando quis exibir uma ousadia maior do que o meu tamanho. Caminhei com pedras dentro deles. Pedras que eu mesma coloquei. E se as dores que causaram persistem, sei que é a mim que cabe retirá-las, ou então aprender a caminhar com a mágoa cravada no passo. Os conselhos, nessas horas, soam tão ocos quanto sapatos novos na vitrine.
Sou aprendiz, refém, culpada e colecionadora de pedras. Uma coleção pouco ortodoxa, feita de tropeços e teimosias, mas que talvez seja o retrato mais fiel da minha evolução. A cegueira momentânea, para uns, cristaliza-se em escuridão permanente; para outros, é apenas um convite a descobrir, no desconforto, uma nova forma de ver.
A meteorologia limita-se a anunciar o tempo. Mas prever o clima — ou o futuro — é um exercício tão antigo quanto vago. Viver o que se prevê, essa sim, é arte maior – lição que não cabe em sala de aula, mas se aprende na pele e no ritmo dos dias. E, no fim, quem alcança a sabedoria simples compreende que é nela, na simplicidade, que repousa a mais alta erudição.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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