Coimbra

Coimbra fez história com Judite Mendes de Abreu, mas paridade continua a ser “faz de conta”

Notícias de Coimbra | 1 hora atrás em 21-09-2025

Portugal está hoje em retrocesso, afastado do bem comum, continuando a relegar as mulheres para segundo plano, num “faz de conta” de paridade, constatam três das primeiras presidentes de câmara eleitas em democracia.

Ficaram para a história como as “Cinco Magníficas”, as primeiras mulheres a exercerem o cargo de presidente de câmara no Portugal saído da revolução de 1974, entre as quais Alda Santos Victor, eleita em Vagos, e Judite Mendes de Abreu, em Coimbra, já morreram.

A Lusa falou com as restantes: todas recordam a sua entrada no poder local como algo difícil, mas nenhuma renunciaria à viagem.

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Os 91 anos de Francelina Chambel têm-na impedido de viver sobretudo no Sardoal, sua terra adotiva (nasceu em Miranda do Corvo), a cuja câmara presidiu durante 17 anos (cinco mandatos seguidos).

Morava em Lisboa quando foi eleita em dezembro de 1976, como independente apoiada pelo PS. No mês seguinte, arrancou para aquele município no distrito de Santarém, com quatro filhos pequenos, e foi “viver para a província”, onde tinha casa, mas só lá ia de vez em quando.

“Foi muito duro para mim”, recorda, contando que encontrou “os obstáculos naturais de uma coisa que nunca se tinha feito, com gente que não estava preparada e que teria de assumir grandes responsabilidades”.

Foi “bem acolhida por toda a população”, mas teve de esquecer a família e concentrar-se em resolver os problemas dos outros.

Descreve a experiência como “altamente positiva e altamente trabalhosa”, lembrando que “não havia nada nas câmaras, só havia dinheiro para pagar aos funcionários, era uma confusão indescritível”. Na autarquia, chegou a estar um ano sem receber vencimento, a sorte é que o serviço anterior lhe pagava.

O “muito grande” desafio contou com uma equipa dedicada, à qual ficou agradecida: “Chegávamos a trabalhar 20 horas seguidas, tivemos de lançar mão de muitas coisas, numa altura em que havia pouca participação e indiferença das pessoas”.

A candidatura de Lurdes Breu à Câmara Municipal de Estarreja foi “obra do acaso”.

Fazia parte do grupo que, pelo PPD/PSD, andava a convidar pessoas para as listas àquele município no distrito de Aveiro, mas todos os “homens bons da terra” recusavam.

“À quinta tentativa frustrada”, um responsável virou-se para ela: “Podia ser você, é mulher, professora, conhecida, conhece as pessoas, se perder é uma novidade durante três dias e depois passa completamente despercebido”.

O convite, feito assim, deixou-a “verdadeiramente furiosa”, mas não hesitou: “Aceito o desafio. E devo dizer que vou ganhar”. Assim foi, ficando à frente da câmara até 1993.

Para Francelina Chambel, as mulheres levam para a política um “sentido muito mais apurado do cumprimento do dever” e uma facilidade na relação com as pessoas. Uma “questão de sensibilidade”, junta Odete Isabel, recordando que, entre a população, as mulheres eram quem mais a ajudava quando foi presidente da câmara.

Ainda assim, hoje, mantém-se “a velha máxima” que deixa “as mulheres sempre em segundo lugar”, lamenta Francelina Chambel.

Hoje com 85 anos e a viver em Ovar, Lurdes Breu aponta também o dedo às próprias mulheres, que se coíbem de dar um passo em frente.

“Isso preocupa-me imenso, sempre me afligiu e ainda hoje me aflige”, afirma, realçando que fez tudo ao seu alcance para mobilizar mulheres para as listas que mais tarde haveria de constituir.

Convicta no “feminismo como afirmação da mulher como capaz e com um potencial enorme para ombrear com as tarefas mais difíceis”, concorda que hoje se verificam “alguns retrocessos”, considerando “absolutamente impensável nos tempos de hoje que a paridade não seja uma coisa natural, óbvia”.

Porém, insta, “a mulher deve dar o passo em frente” e não estar à espera de ser convidada com passadeira vermelha”.

Para ela, “é um prazer enorme quando alguma mulher dá o passo e diz ‘eu quero’” – foi isso que sentiu agora, para estas próximas eleições, nas quais a filha aceitou fazer parte das listas a uma autarquia.

“Vejo o país em autêntico retrocesso. No tempo em que estávamos no poder local havia necessidade de fazer coisas para as pessoas, hoje há uma grande apetência por cargos, uma grande luta pelo poder. Antigamente, lutava-se pelo bem comum, agora luta-se por um bem que a gente nem sabe qual é”, desabafa.

“Estamos num caminho de retrocesso civilizacional muito forte e muito preocupante”, concorda Odete Isabel, eleita em 1976 presidente da Câmara Municipal da Mealhada (pelo PS).

Apelando às mulheres que se interessem pela vida da comunidade e não se deixem enredar na falta de oportunidades, cita as três que lhe serviram de exemplo: a mãe, a professora primária e Maria de Lurdes Pintasilgo (a única mulher que até hoje exerceu o cargo de primeiro-ministro em Portugal).

“Estamos a viver um faz de conta. E se as mulheres acordarem, ainda vamos a tempo de retomar o caminho certo”, confia.

Odete Isabel nunca foge da luta e por isso aceitou, aos 85 anos – “feitos no dia da Tomada da Bastilha que agora é o dia internacional da liberdade de pensamento” – ser mandatária da candidatura do PS à Mealhada, que apresenta uma lista paritária nas próximas eleições autárquicas.

“Foi a melhor prenda que podia ter, poder rever o concelho, ver a evolução e também as coisas negativas, é fundamental para quem gosta da política e quem gosta da sua terra”, rejubilou.

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