A Ordem dos Médicos, através do Gabinete Nacional de Apoio ao Médico (GNAM), inaugurou a exposição “Saúde e Bem-Estar dos Médicos”, na Subunidade 3 da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, esta manhã, 19 de maio.
Trata-se de uma iniciativa que visa alertar para a importância do bem-estar dos médicos junto da comunidade estudantil e, neste caso em particular, dos futuros médicos.
Contou com a presença do Bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, do presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, Manuel Teixeira Veríssimo, do diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Carlos Robalo Cordeiro, e do coordenador do GNAM, João Redondo.
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Robalo Cordeiro na sua intervenção refere que “a saúde mental dos estudantes de medicina é uma preocupação transversal a todas as escolas médicas do país”, reforçou, recordando a recente reunião do Conselho Nacional das Escolas Médicas, onde a saúde mental dos estudantes foi tema central.
O diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra não deixou de elogiar o trabalho do coordenador do GNAM, João Redondo, salientando que “tem aqui o papel mais relevante nesta mostra e na mensagem que se pretende transmitir”.
O coordenador do Gabinete Nacional de Apoio ao Médico (GNAM) apresentou dados preocupantes sobre a saúde mental e o ambiente de trabalho dos profissionais de saúde em Portugal e no mundo: “Só estes números deviam merecer uma reflexão de todos nós”, alertou, ao apresentar estatísticas que revelam uma realidade alarmante entre os médicos, especialmente os mais jovens: “entre 8% a 18% dos profissionais de saúde sofrem violência em algum momento da sua carreira, sendo este um fenómeno crescente em contexto hospitalar. Cerca de 4% dos médicos, a nível global, apresentam sintomas de burnout, e 25% já foram vítimas de assédio moral, segundo um estudo europeu de 2014.
Em Portugal, os dados de 2023 do Gabinete de Segurança do Ministério da Saúde indicam que 24% dos 2.532 médicos inquiridos reportaram ter sofrido algum tipo de violência. Destes “23% referiram violência física, 62% violência psicológica (não confundida com assédio moral), 11% assédio moral, 3% violência patrimonial e 1% violência sexual”.
“O assédio sexual e moral é invisível, isto é apenas a ponta do iceberg”, sublinhou João Redondo, acrescentando que os dados podem estar significativamente subestimados.
A Ordem dos Médicos, através de um estudo com médicos internos, identificou que “1 em cada 4 internos apresenta sintomas graves de burnout; 55,3% está em risco de desenvolver a síndrome; 35,5% iniciou apoio psicológico ou psiquiátrico durante o internato e apenas 16,5% considera equilibrada a sua relação entre vida pessoal e profissional”.
João Redondo destacou ainda que a faixa etária que mais recorre ao GNAM situa-se entre os 25 e os 30 anos.
Manuel Teixeira Veríssimo destacou a urgência de cuidar da saúde dos médicos como pilar da qualidade dos cuidados em saúde. “Proteger a saúde dos médicos é proteger a qualidade dos cuidados. Uma medicina exausta não é sustentável”, declarou, sublinhando a importância da iniciativa e agradecendo a todos os envolvidos.
Veríssimo enfatizou que a prevenção deve começar cedo, ainda no percurso académico dos futuros profissionais: “É fundamental começar cedo. Como diz o povo, ‘é de pequenino que se torce o pepino’. Os jovens médicos têm de saber com o que vão contar e como podem intervir para evitar contextos de violência e ambientes de trabalho tóxicos”, referiu.
O bastonário da Ordem dos Médicos reforçou a importância da ligação entre a Ordem e as Escolas Médicas, sublinhando que esta iniciativa é um reflexo de uma mudança há muito necessária: “Esta parceria tem uma mensagem muito relevante.”
Carlos Cortes destacou a integração entre o ensino pré e pós-graduado que é essencial para a construção de uma formação médica sólida e contínua: “Sempre existiu uma rutura entre o ensino nas faculdades e o exercício profissional. Este contínuo é essencial para um sistema de saúde mais coeso e mais humano.”
Recordando as origens da preocupação com o burnout na classe médica, partilhou a experiência de lançar, em 2005, o primeiro estudo nacional sobre exaustão profissional dos médicos: “Na altura, era tabu. Acreditava-se que os médicos eram super-humanos, que não se cansavam. Mas os dados mostraram o contrário. E foi aí que começámos a agir.”
Essa ação culminou na criação de uma rede de apoio nacional aos médicos, hoje integrada no Gabinete Nacional de Apoio ao Médico (GNAM) e nos Gabinetes Regionais, com intervenção direta em Lisboa, Porto, Coimbra e outras regiões.
“Este apoio é fundamental. Os médicos enfrentam agressões físicas, psicológicas e sexuais e muitas vezes não têm apoio das suas instituições. E, quando isso falha, a Ordem tem de estar presente”, afirma.
Com um discurso assertivo, criticou ainda a falta de atenção política à realidade dos profissionais de saúde: “O maior valor do Serviço Nacional de Saúde são os seus profissionais. Mas os governantes esqueceram-se disso. Os médicos estão a abandonar o SNS, estão a emigrar. E não é por acaso.”
Lembrou que, apesar das propostas apresentadas ao Parlamento — como o Plano de Atração e Retenção no SNS, com medidas de proteção e valorização dos médicos — estas foram ignoradas: “Temos repetido à exaustão: tem de haver tolerância zero para quem agride profissionais de saúde. Mas o Estado continua inerte. A proteção legal e institucional é fraca.”
Falando do futuro, avançou com o desejo de criar uma residência de apoio a médicos idosos ou em situação de fragilidade, financiada pelo Fundo de Solidariedade da Ordem dos Médicos, um fundo alimentado pelas próprias quotas dos associados.
“Queremos uma casa para acolher médicos reformados, doentes ou sós. Cuidar de quem cuidou de todos nós”, indica.
“Ser médico é não desistir. Apesar das adversidades, sabemos sempre que é possível fazer melhor. Para tratarmos bem os nossos doentes, temos de estar bem também. E esse é o papel da Ordem dos Médicos”, concluiu.
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