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Coimbra enche-se da melodia de um dos últimos amoladores: “Até morrer não largo a bicicleta”

Notícias de Coimbra | 2 horas atrás em 04-09-2025

De gaita de beiços encostada aos lábios, o som agudo e inconfundível ecoa pelas ruas de Coimbra. É Manuel Lourenço, 60 anos, amolador de profissão há mais de 45, que anuncia a sua presença com a melodia que há décadas acompanha o ofício dos homens que pedalam para dar fio a facas e tesouras.

Natural de Coruche, Manuel percorre o país de lés a lés. A bicicleta, inseparável companheira de trabalho, é mais do que um simples meio de transporte: é a oficina ambulante onde se monta o esmeril que dá vida nova às lâminas gastas.

Quinze dias na estrada, uma semana em casa. Assim se desenha o ciclo de vida deste homem que nunca perdeu o gosto pela arte que aprendeu em jovem, aos 15 anos, e que promete só abandonar quando as pernas deixarem de ter força para pedalar.

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“É apitar e pregar: olha o amolador, amola facas e tesouras”, conta com simplicidade.
Uma profissão quase desaparecida, que resiste hoje em Portugal em mãos de muito poucos. “Antes havia muitos, agora conheço três ou quatro. É raro encontrar outro.”

Na Praça 8 de Maio, junto à Câmara Municipal de Coimbra, os olhares curiosos seguem o som da gaita.
Há quem recorde tempos antigos, quando era habitual ver o amolador passar pelas ruas e vizinhos saírem de faca e tesoura na mão.

“Ainda aparece gente, mas já não é como dantes”, confessa Manuel, que mantém clientes certos em várias cidades.

Entre histórias que ficaram gravadas na memória, Manuel lembra uma senhora idosa, no Alentejo, que desconfiou ao vê-lo montar-se na bicicleta. “Então vai-se embora com a minha tesoura e não a afia aqui?”, questionou. Riram-se os dois, mas a história nunca mais lhe saiu do ouvido.

A vida na estrada também lhe deu amizades. Em cada terra encontra rostos conhecidos, cafés que o recebem, jogos de cartas e conversas que se prolongam até tarde. Depois, regressa à carrinha onde nunca falta a bicicleta, a cama improvisada, a roupa e o essencial para viver longe de casa.

Com quatro filhos já casados e uma esposa que se habituou às ausências, Manuel mantém a rotina.
Norte, sul, interior, litoral – todos os caminhos lhe são familiares. Coimbra recebe-o agora, mas só em outubro voltará a ouvir-se a melodia do seu pregão nas ruas da cidade.

Resistente, persistente e apaixonado pelo que faz, Manuel não pensa em parar. “Não quero deixar isto. Gosto de fazer isto. É até morrer.”

E como começou, assim termina: com a gaita verde e vermelha nos beiços e a voz firme que ecoa pela praça: “Olha o amolador! Facas e tesouras para afiar!”

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