A maternidade faz parte dos planos da maioria das mulheres e de muitos casais. No entanto, o caminho até à concretização desse desejo pode ser demorado, incerto ou emocionalmente mais exigente do que se previa.
Em alguns casos, mesmo após vários meses de tentativas, a gravidez não acontece, e nem sempre é possível encontrar uma explicação clara para essa dificuldade. Ainda assim, existem doenças que podem afetar diretamente a fertilidade feminina, que interferem com o funcionamento normal do sistema reprodutor e tornam o processo de conceção mais difícil. Reconhecê-las e tratá-las precocemente pode fazer a diferença, alerta Catarina Marques, ginecologista e especialista em medicina da reprodução.
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“Existem inúmeros fatores que afetam a fertilidade feminina, como a idade da mulher, o stress crónico, o sedentarismo, o consumo de tabaco e álcool, a obesidade, a alimentação desequilibrada e até doenças crónicas como a diabetes ou a hipertensão. Por isso, é essencial encarar a saúde reprodutiva como parte de um todo: corpo, mente e estilo de vida”, explica a médica do IVI Lisboa.
A fertilidade feminina pode ser definida como a capacidade natural de uma mulher engravidar e manter uma gravidez até ao nascimento de um bebé saudável. Quando um casal tenta engravidar durante 12 meses consecutivos, mantendo relações sexuais regulares e sem qualquer método contracetivo, e a gravidez não acontece, considera-se que existe um problema de fertilidade. No caso das mulheres com mais de 35 anos, esse período de tentativa reduz-se para seis meses, uma vez que a fertilidade feminina diminui com a idade.
Catarina Marques sublinha também que a infertilidade não é exclusivamente feminina: estima-se que, em 30% dos casos, esteja relacionada com causas femininas, outros 30% com causas masculinas, 20% com causas mistas e 20% sem uma explicação clara do ponto de vista médico. Ou seja, nem sempre é possível encontrar uma causa específica. Porém, existem doenças que estão diretamente associadas à infertilidade feminina e para as quais importa alertar, porque o diagnóstico precoce pode fazer toda a diferença. A médica destaca cinco, algumas são comuns e têm um diagnóstico, por vezes, demorado.
1. Síndrome dos Ovários Poliquísticos: É uma das principais causas de infertilidade e afeta entre 10% a 15% das mulheres em idade fértil, com maior prevalência entre mulheres com excesso de peso ou obesidade. Esta patologia resulta de um desequilíbrio hormonal que interfere com a ovulação e pode provocar ciclos menstruais longos, ausência de menstruação, crescimento de pelos em zonas típicas do padrão masculino, acne severa e queda de cabelo. O tratamento pode passar por mudanças no estilo de vida, regulação hormonal com medicamentos como o citrato de clomifeno e, em casos mais complexos, técnicas de procriação medicamente assistida.
2. Endometriose: Estima-se que uma em cada dez mulheres em idade reprodutiva seja afetada por esta doença, muito subdiagnosticada. Trata-se da presença de tecido semelhante ao endométrio fora do útero, como nos ovários, trompas ou revestimento abdominal. Este tecido responde às variações hormonais do ciclo menstrual, o que pode provocar dores intensas — durante a menstruação, nas relações sexuais, ao urinar ou evacuar — e, em muitos casos, dificuldade em engravidar. Embora algumas mulheres sejam assintomáticas, a endometriose pode ter um impacto significativo na fertilidade e no bem-estar geral. O tratamento é sempre individualizado e pode incluir medicação hormonal, cirurgia ou técnicas de reprodução assistida.
3. Doença Inflamatória Pélvica: É uma infeção dos órgãos reprodutores internos — útero, trompas e ovários — geralmente provocada por infeções sexualmente transmissíveis, como a clamídia ou a gonorreia. Quando não é tratada atempadamente, pode originar lesões e obstruções nas trompas de Falópio, dificultando ou mesmo impedindo a fecundação natural. Os sintomas incluem dor pélvica, febre, corrimento vaginal anormal e dor durante o contacto sexual. O tratamento envolve a administração de antibióticos e, em casos mais graves, pode ser necessária intervenção cirúrgica.
4. Miomas Uterinos: São tumores benignos do útero, relativamente comuns, que podem interferir com a fertilidade dependendo da sua localização e dimensão. Os miomas que se desenvolvem dentro da cavidade uterina podem dificultar a implantação do embrião ou aumentar o risco de aborto. As mulheres podem apresentar sintomas como hemorragias menstruais intensas, dor pélvica ou sensação de pressão abdominal. Nem todos os miomas exigem tratamento, mas, em alguns casos, a cirurgia para remoção (miomectomia) pode melhorar significativamente as hipóteses de gravidez.
5. Cancro em idade fértil: Representa uma ameaça concreta à fertilidade, sobretudo quando exige tratamentos como quimioterapia, radioterapia pélvica ou cirurgia aos ovários e útero. Estes tratamentos podem acelerar a perda da reserva ovárica ou mesmo causar falência prematura dos ovários. No entanto, a ciência tem permitido desenvolver técnicas de preservação da fertilidade, como a criopreservação de óvulos, que devem ser abordadas com a equipa médica antes do início do tratamento.
Em resumo, Catarina Marques, frisa que estas doenças não devem ser encaradas como um motivo de alarme, mas antes como uma chamada de atenção à prevenção, aos rastreios e ao cuidado com o corpo. “A fertilidade é um processo complexo, sujeito a múltiplas variáveis, e cada mulher tem o seu próprio percurso. A boa notícia é que a ciência tem evoluído de forma notável e que, com diagnóstico precoce, acompanhamento médico especializado e mudanças sustentadas no estilo de vida, é possível ultrapassar muitos dos obstáculos à conceção”, refere. E acrescenta que existem opções terapêuticas cada vez mais eficazes, técnicas de preservação da fertilidade e abordagens integradas que colocam a saúde física e emocional da mulher no centro dos cuidados.
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