Saúde

Cientistas fazem iogurte com formigas e dizem que é delicioso

NOTÍCIAS DE COIMBRA | 36 minutos atrás em 06-10-2025

Numa pequena vila da Bulgária, investigadores redescobriram uma tradição ancestral que substitui as habituais bactérias de iogurte por… formigas. Sim, formigas vermelhas vivas mergulhadas em leite morno são capazes de iniciar a fermentação, transformando-o num produto com sabor picante, herbáceo e surpreendentemente agradável.

O estudo, publicado na revista iScience em setembro de 2025, mostra não apenas uma prática popular curiosa, mas também como os nossos antepassados dependiam de uma biodiversidade microbiana muito mais ampla para produzir alimentos.

O projeto começou quando Sevgi Mutlu Sirakova, investigadora da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, decidiu explorar relatos da sua família na aldeia de Nova Mahala, na Bulgária, sobre a utilização de formigas para fermentar leite. Seguindo instruções locais, os investigadores colocaram quatro formigas num pote de leite morno, cobriram-no com gaze e enterraram-no no formigueiro durante a noite.

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Na manhã seguinte, o leite tinha coagulado, com pH reduzido para 5, e o sabor foi descrito como ácido, com nuances herbáceas e notas de gordura de animais alimentados com pasto. A equipa identificou que as formigas transportavam uma comunidade microbiana completa — bactérias, fungos e outros microrganismos — que contribuíram para a fermentação.

Segundo os cientistas, três fatores explicam o processo:

  1. Ácido fórmico: presente nas formigas-da-madeira-vermelha, que reduz o pH do leite, essencial para coagular as proteínas.
  2. Microbioma das formigas: contém bactérias lácticas e acéticas, como a Fructilactobacillus sanfranciscensis, responsável pelo sabor característico do pão de fermentação natural.
  3. Enzimas proteolíticas: secretadas pelas formigas e pelos micróbios, que decompõem proteínas do leite, alterando a textura e aproximando-a do queijo ou do mascarpone.

Após comprovar a eficácia da técnica, os investigadores colaboraram com o restaurante experimental Alchemist, em Copenhaga, com duas estrelas Michelin, para criar três pratos: um “ant-wich” (sanduíche de sorvete de iogurte em forma de formiga), mascarpone de leite de cabra picante e um cocktail de leite em que formigas desidratadas substituíram o limão na coagulação.

Apesar do sucesso gastronómico, os investigadores alertam que esta prática não deve ser reproduzida em casa, devido ao risco de parasitas transportados pelas formigas, como o Dicrocoelium dendriticum. Nos experimentos, as formigas foram congeladas e filtradas para garantir segurança.

O estudo relembra que o iogurte moderno depende apenas de duas bactérias, o que limita a diversidade de sabores e texturas. Ao contrário, os métodos tradicionais exploravam ecossistemas complexos — insetos, plantas, ar e recipientes — para criar alimentos únicos.

Do ponto de vista antropológico, revela como receitas tradicionais codificam conhecimento ecológico transmitido oralmente; do ponto de vista sustentável, indica o potencial dos microbiomas de insetos para desenvolver novos fermentos e alternativas alimentares.

Como conclui Veronica Sinotte, da Universidade de Copenhaga: “Espero que as pessoas reconheçam a importância da comunidade e talvez ouçam com mais atenção quando as suas avós partilham uma receita ou uma lembrança que parece estranha demais para ser verdade”.

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