A vida nas regiões frias e escuras do Mar da China Meridional é dura, obrigando os micróbios que aí vivem a desenvolver armas químicas para competir e sobreviver. Agora, cientistas descobriram que uma dessas “armas” pode vir a ajudar os humanos a combater um inimigo bem diferente: o cancro.
Num estudo recente da Academia Chinesa de Ciências, foi identificado o EPS3.9, um açúcar de cadeia longa produzido pela bactéria Spongiibacter nanhainus e espécies próximas. Em experiências laboratoriais e testes em ratos com cancro no fígado, o EPS3.9 não só travou o crescimento dos tumores como também desencadeou uma forte resposta imunológica, orientando o sistema imunitário para atacar o cancro.
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Os investigadores começaram a estudar esta bactéria em 2024, quando descobriram que ela inibia fungos agrícolas e bactérias patogénicas humanas, incluindo aquelas resistentes a medicamentos. Agora, a atenção voltou-se para o cancro, onde o EPS3.9 se revelou particularmente eficaz.
O EPS3.9 atua provocando a piroptose — uma forma dramática e “ardente” de morte celular programada em que a célula incha, explode e liberta moléculas inflamatórias que funcionam como sinais de alarme, atraindo células do sistema imunitário para o local.
Esta forma de morte celular é muito diferente da apoptose, que é mais silenciosa e controlada. As células cancerígenas geralmente bloqueiam a apoptose para se multiplicarem descontroladamente, mas a piroptose faz exatamente o oposto: destrói as células de forma explosiva, alertando o organismo para o perigo, pode ler-se na ZME Science.
Nos últimos anos, a piroptose tem sido considerada uma via promissora para terapias anticancerígenas, uma vez que permite ao sistema imunitário localizar e destruir células tumorais que normalmente escapam à deteção.
Até agora, o composto mostrou ser eficaz em destruir células cancerígenas em laboratório e em camundongos, reduzindo significativamente tumores no fígado e desencadeando respostas imunológicas antitumorais. Testes preliminares indicam também que o EPS3.9 pode causar morte celular em células de leucemia humana.
Embora ainda falte avançar para testes clínicos em humanos e garantir segurança e eficácia, o caminho é promissor. As terapias modernas contra o cancro, como as imunoterapias, têm vindo a revolucionar tratamentos, e o EPS3.9 oferece uma abordagem inovadora: destruir tumores de forma que não passam despercebidos pelo sistema imunitário, ao causar uma reação inflamatória intensa.
A exploração de micróbios marinhos — organismos que vivem em ambientes extremos — tem revelado nos últimos anos vários agentes terapêuticos, incluindo antibióticos, antivirais e agentes anticancerígenos. A descoberta do EPS3.9 acrescenta uma nova possibilidade, destacando o potencial dos oceanos para a medicina.
Se comprovado seguro e eficaz, o EPS3.9 poderá abrir caminho para uma nova geração de tratamentos anticancro baseados em carboidratos, capazes de destruir tumores e ativar as defesas naturais do corpo.
Por enquanto, um micróbio das profundezas do oceano oferece uma nova esperança na guerra contra o cancro.
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