Queijo gorduroso é, para muitos, um prazer com alguma culpa associada. Durante anos, as gorduras saturadas foram apontadas como inimigas da saúde. No entanto, quando o foco é o cérebro, um novo estudo sugere que a história pode ser mais complexa. Uma investigação de grande dimensão da Universidade de Lund, na Suécia, concluiu que o consumo de queijos com elevado teor de gordura e de natas está associado a um menor risco de demência.
O estudo, publicado na revista científica Neurology, acompanhou cerca de 27 mil pessoas durante 25 anos, analisando de forma detalhada os seus hábitos alimentares desde o início da década de 1990, na cidade de Malmö.
Ao longo do período de acompanhamento, cerca de 3.200 participantes desenvolveram demência. A análise revelou que as pessoas que consumiam 50 gramas ou mais de queijo gordo por dia — o equivalente a duas fatias generosas — apresentavam um risco global mais baixo de desenvolver demência.
O efeito foi particularmente evidente na demência vascular, associada à redução do fluxo sanguíneo para o cérebro: os consumidores regulares de queijo com alto teor de gordura tiveram um risco 29% inferior de desenvolver esta condição.
Também o consumo diário de natas integrais mostrou um efeito protetor, com uma redução de 16% no risco de demência por todas as causas. Em contraste, os produtos com baixo teor de gordura — como leite magro, queijo magro ou iogurte magro — não apresentaram qualquer associação protetora.
Segundo os investigadores, o benefício não parece estar nas proteínas do leite, mas sim na gordura integrada na chamada “matriz alimentar”. Este conceito refere-se à estrutura física e química dos alimentos e à forma como os seus nutrientes interagem entre si durante a digestão.
Embora o queijo seja rico em gordura saturada, é também um alimento fermentado complexo, que contém minerais, proteínas e compostos bioativos, como a vitamina K2. Estudos anteriores já tinham demonstrado que o queijo não afeta o colesterol da mesma forma que a manteiga, apesar de ambos conterem gordura saturada.
Curiosamente, o estudo agora divulgado indica que um elevado consumo de manteiga pode estar associado a um risco ligeiramente superior de doença de Alzheimer, exceto em pessoas com uma dieta global de elevada qualidade. Isto reforça a ideia de que o processo de fermentação do queijo pode desempenhar um papel importante, possivelmente através de efeitos benéficos na microbiota intestinal.
A investigação teve ainda em conta um importante fator genético: o alelo APOE ε4, conhecido por aumentar significativamente o risco de doença de Alzheimer.
Os resultados mostram que o efeito protetor do queijo gordo foi claro em pessoas sem esta variante genética. Já nos portadores do APOE ε4, o benefício não foi estatisticamente significativo, sugerindo que não existe uma dieta única que funcione da mesma forma para todos.
Os autores sublinham que se trata de um estudo observacional, pelo que não prova uma relação direta de causa e efeito. É possível que os consumidores frequentes de queijo tenham outros hábitos saudáveis, como maior atividade física ou melhor acesso a cuidados de saúde. Ainda assim, mesmo após ajustamentos para vários fatores, a associação manteve-se.
Para os investigadores, os dados sugerem que queijos gordos de boa qualidade, consumidos com moderação, podem integrar uma alimentação equilibrada e potencialmente contribuir para a proteção do cérebro ao longo do envelhecimento.
Com as previsões a apontarem para um triplicar dos casos de demência até 2050 e na ausência de uma cura eficaz, a prevenção assume um papel central. A alimentação é um dos fatores modificáveis, embora a educação, a redução do consumo de álcool e tabaco e um estilo de vida ativo continuem a ser determinantes.
O estudo junta-se, assim, a um corpo crescente de evidência que põe em causa a ideia de que “baixo teor de gordura é sempre melhor”. Para já, não se trata de uma licença para excessos, mas pode ser uma boa notícia para quem aprecia, sem exageros, os sabores ricos dos alimentos tradicionais.
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