Justiça

CHUC adensa mistério sobre pagamentos a ex-bastonário José Manuel Silva

Rui Avelar | 3 meses atrás em 09-02-2024

Imagem: Arquivo

O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra está sem dar explicações, há meses, sobre quanto e por que pagou a José Manuel Silva, actual presidente da Câmara conimbricense, na fase em que ele foi bastonário da Ordem dos Médicos (2011-16).

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De uma parte dos autos de um inquérito aberto pelo Ministério Público (MP), em que o médico é arguido sob suspeita de peculato e/ou participação económica em negócio, transparece a ideia de que ele poderá ter estado sem remuneração quando foi bastonário.

Na sequência de sucessivas diligências do autor desta peça jornalística, foi possível apurar que José Manuel Silva auferiu, afinal, remuneração do CHUC e da Universidade de Coimbra.

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A 01 de Junho [de 2023], a revista Sábado noticiou que o MP estava a aferir se a falta de salário na Ordem (OM) iliba o arguido, sendo que o desfecho do inquérito consistirá em arquivamento ou dedução de acusação.

O outrora bastonário poderá ter recebido indevidamente um montante de 50 mil euros, pago pela Ordem dos Médicos, a título de quilómetros percorridos em viatura pessoal.

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A 25 de Janeiro [de 2024], o jornalista requereu ao CHUC ser informado se a instituição hospitalar celebrou com a OM e com o outrora bastonário um acordo de cedência de interesse público. Também o mais recente requerimento do jornalista se encontra sem resposta.

Em reunião do Conselho Nacional Executivo da OM, há 13 anos, face à inexistência de salário, José Manuel preconizou uma “solução de compromisso” assente em ajudas de custo ou despesas de representação ou mediante outra forma admissível.

A avaliar pela documentação consultada pelo jornalista, Silva continuou a receber do CHUC ao abrigo, segundo ele disse, da aplicação de uma “norma sindical”, expressão igualmente usada por um ex-director clínico dos outrora Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), José Ávila Costa, que prestou depoimento testemunhal no sobredito inquérito.

Interpelado por Notícias de Coimbra, o arguido escusou-se a responder a várias perguntas, uma delas acerca do montante mensal das remunerações, e também não explicou em que consistiu a invocada aplicação de uma “norma sindical”. 

Segundo apurou NDC, pelo menos entre 2013 e 2016, José Manuel Silva recebeu do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, mensalmente, uma quantia líquida aproximada a mil euros, embora o montante do salário ilíquido triplicasse aquela quantia. 

Notícias de Coimbra também soube que, na sequência da primeira eleição de Silva para bastonário, o médico solicitou ao CHUC dispensa de controlo de assiduidade, a qual lhe foi concedida em Fevereiro de 2011.

Ouvida como testemunha, a directora executiva do Secretariado da OM, Manuela Oliveira Saraiva, indicou qur José Manuel não se deslocava ao CHUC quando foi bastonário.

A avaliar pelas averiguações feitas pela Polícia Judiciária, no âmbito de um processo aberto em 2019, o antigo bastonário recebeu por quilómetros percorridos 95 mil euros. montante que excede em 50 mil euros o que deveria corresponder a uso de viatura própria.

Perícias levadas a cabo pela PJ sugerem que, num horizonte de 63 meses, a viatura pessoal do bastonário percorreu aproximadamente 124 mil quilómetros; contudo, a contabilidade da OM atesta pagamentos referentes a cerca de 264 mil.  

Uma magistrada do MP pediu à PJ de Lisboa, em Setembro de 2022, averiguações no sentido da clarificação do contexto em que, 10 anos antes, José Manuel Silva, sem vencimento enquanto bastonário, tinha sido autorizado a receber ajudas de custo.

Quando prestou declarações na fase de constituição de arguido, em meados de 2022, o médico alegou ter havido autorização para auferir ajudas de custo com base em quilómetros percorridos independentemente do meio de transporte utilizado.

Entre os depoimentos testemunhais que contrariam a versão de José Manuel Silva avultam os das médicas Lurdes Gandra e Maria dos Prazeres Francisco, os dos médicos José Caldas Afonso e João Yglesias Oliveira e o da jurista Paula Quintas.

Avesso ao pagamento de ajudas de custo a título de compensação face à inexistência de vencimento para o bastonário, José Ávila Costa absteve-se no âmbito do Conselho Nacional Executivo da OM. De acordo com o ex-director clínico dos antigos HUC, tratando-se do “caminho possível”, não era, porém, “o caminho”.

Versão diferente é a de José Mário Martins, antigo chefe do gabinete de José Manuel Silva. Segundo José Mário, o pagamento tinha cabimento independentemente do meio de transporte usado por Silva. 

Para o ex-bastonário, todos os valores que lhe foram pagos “ou restituídos por conta do exercício do cargo (…) ocorreram em rigoroso cumprimento das deliberações” do Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos.

Dom da ubiquidade?

E um irmão reitor

A Universidade de Coimbra, em cuja Faculdade de Medicina José Manuel Silva leccionou, limitou-se a indicar a NDC as unidades curriculares de que ele foi regente, enquanto bastonário, a partir do ano lectivo de 2012-13.

A instituição – que teve como reitor (2011-19) um irmão de Silva, João Gabriel – pagou ao então bastonário, mensalmente, um vencimento líquido aproximado a 2 200 euros, mas não revelou o montante ao ser interpelada.

A lacónica informação prestada pela UC deixa sem resposta uma pergunta do jornalista destinada a apurar como exerceu José Manuel a docência na medida em que o cargo de bastonário era exercido em Lisboa.

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