Saúde

Cérebro apaga memórias de propósito

NOTÍCIAS DE COIMBRA | 4 horas atrás em 20-10-2025

Um pequeno verme transparente, do tamanho de um grão de sal, está a ajudar cientistas a desvendar um dos maiores mistérios do cérebro: o esquecimento.

Investigadores da Universidade Flinders utilizaram o Caenorhabditis elegans, um verme microscópico com apenas 300 neurónios, para estudar a biologia da memória. O estudo, publicado no Journal of Neurochemistry, sugere que o esquecimento não é simplesmente uma perda passiva de informação ao longo do tempo, mas sim um processo ativo impulsionado pela dopamina, a mesma substância química que ajuda na aprendizagem.

A neurocientistaYee Lian Chew, principal autora do estudo, explica que “muitas vezes pensamos que esquecer é um fracasso, mas na verdade é essencial. Se nos lembrássemos de tudo, os nossos cérebros ficariam sobrecarregados. Esquecer ajuda a manter o foco e a flexibilidade.”

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O C. elegans partilha cerca de 80% dos seus genes com os humanos, e a sua transparência torna-o ideal para observar a química cerebral em ação. Num experimento de condicionamento, os vermes foram treinados para associar o cheiro de butanona — um aroma frutado — à comida. Normalmente, os vermes esquecem a associação após algum tempo, mas quando a dopamina foi removida, a memória manteve-se por muito mais tempo. Vermes geneticamente modificados para não produzirem dopamina ou com transportadores defeituosos da substância química conseguiam aprender, mas não conseguiam esquecer.

Os investigadores identificaram dois receptores principais, DOP-2 e DOP-3, que são essenciais para o esquecimento. Quando ambos foram desativados, os vermes retinham as memórias muito mais tempo. Restaurar a dopamina apenas num tipo de neurónio não foi suficiente: o esquecimento exige a coordenação de todo o sistema dopaminérgico.

Este estudo tem implicações importantes para a compreensão da memória humana e de doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson, onde a perda de células produtoras de dopamina afeta não só o movimento, mas também a aprendizagem e a memória.

“Compreender como a dopamina ajuda o cérebro a eliminar memórias pode, no futuro, abrir novas formas de tratar distúrbios relacionados com a memória”, conclui Chew.

O trabalho revela que esquecer não é aleatório: é um processo ativo, químico e coordenado, essencial para manter o cérebro funcional. Enquanto os vermes continuam a mexer-se nos laboratórios, a ciência aproxima-se cada vez mais da compreensão do delicado equilíbrio entre lembrar e deixar ir.

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