Portugal

Celebração do 25 de Novembro: se é para ser a sério, então não se esqueçam de convidar a CIA 

Frederico Duarte Carvalho | 6 meses atrás em 30-10-2023

O presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, prometeu que o 25 de Novembro de 1975 iria ser celebrado na capital, apesar da resistência de partidos de esquerda. Então, se é para ser a sério, que seja mesmo a sério e recorde-se também o papel desempenhado pela CIA para o sucesso da operação.

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Na noite de 9 de Agosto de 1975, três homens reuniram-se num jantar privado. Presume-se que o local poderá sido no número 18 da Rua do Sacramento à Lapa, uma morada bem conhecida: é a residência oficial do embaixador dos EUA em Lisboa. O então embaixador, Frank Carlucci, jantou com o líder do Partido Socialista (PS), Mário Soares, e Salgado Zenha, outro dirigente socialista e que deixara de ser ministro da Justiça no dia anterior.

Os socialistas comentavam com o embaixador dos EUA as escolhas dos nomes para o V Governo Provisório, liderado pelo primeiro-ministro Vasco Gonçalves. O relatório dessa conversa foi enviado no dia seguinte para o secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger. E hoje pode ser lido através de uma consulta no endereço eletrónico dos arquivos governamentais dos EUA.

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Frank Carlucci (falecido em Junho de 2018) não era apenas mais um embaixador norte-americano em Lisboa que procurava manter-se informado sobre os acontecimentos do país onde está em missão e a manter uma posição neutral face aos eventos. Era um homem de acção. E fruto da sua maneira de funcionar, dois anos e meio após esta reunião, em Fevereiro de 1978, trocou o posto diplomático em Lisboa pela posição de número dois da CIA, os serviços de inteligência norte-americanos.

A comemoração do fim do “Verão Quente” de 1975, a 25 de Novembro têm, assim, de incluir menções ao papel da CIA e do Departamento de Estado norte-americano. Sem isso, qualquer comemoração ficará incompleta. O encontro de 9 de Agosto de 1975 assume ainda mais relevância para a história contemporânea quando vemos, por exemplo, que na primeira página do jornal “Diário de Lisboa” do dia anterior, há uma notícia que alerta precisamente para a influência da CIA durante aquele período. 

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“CIA em Portugal – Quem é quem e quem está aqui”, lia-se no título desse artigo, citando denúncias feitas pelo ex-agente da CIA, Philip Agge, e que incluía uma lista de nomes e moradas em Lisboa de agentes da inteligência norte-americana, empenhadas em fazer um golpe em Portugal. Entre os nomes e moradas, lá estava a da residência do embaixador dos EUA, na Lapa, e a do seu número dois, Herbert Okun, esta situada no Restelo, no número 11 da Avenida da Torre de Belém. 

Soares e Zenha, segundo o relatório enviado por Carlucci para Kissinger, insistiram que os EUA deviam apoiar o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Ernesto Melo Antunes, que, no dia anterior, no “Jornal Novo”, acabara de publicar o chamado “Documento dos Nove”, também conhecido como “Documento Melo Antunes”. Os comensais comentaram com o embaixador que os comunistas se tinham infiltrado no V Governo Provisório. Segundo informações passadas por Mário Soares para o futuro diretor-adjunto da CIA, havia ministros próximos dos comunistas. Eram os “cripto-comunistas”, conforme foram definidos.

O vice-primeiro-ministro, António Arnao Metello, segundo Soares, era um dos que, embora não pertencesse formalmente ao Partido Comunista Português (PCP), estava entre os que “têm ligações ao PCP”. Os outros apontados pelo líder do PS eram o ministro da Educação, José Emílio da Silva, o ministro das Obras Públicas – Equipamento Social e Ambiente e interino dos Transportes e Comunicações –, Henrique de Oliveira e Sá e o ministro da Administração Interna, Alfredo Cândido de Moura.

Houve ainda uma menção em particular ao novo ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Ruivo, um biólogo que ocupara o lugar de secretário de Estado das Pescas nos três governos provisórios anteriores – liderados por Vasco Gonçalves – e que agora se sentava no mesmo lugar de Melo Antunes. Sobre Ruivo, escreveu Carlucci: “Ele é, provavelmente, o pior do grupo, uma vez que as suas ligações são diretamente com os soviéticos”, acrescentado a sua passagem anterior pela FAO – Organização das Nações unidas para a Alimentação e a Agricultura, com sede em Roma.

O embaixador Frank Carlucci registou ainda que Mário Soares tinha tendência para exagerar quando comentava estes assuntos com estrangeiros do lado ocidental, mas acrescentou que aquilo que o líder do PS dizia sobre os ministros de Vasco Gonçalves era verdade e que “a nossa informação sobre Ruivo é toda ela má”.

O relatório enviado para Kissinger terminava com um aviso de Carlucci: informava que Soares e Zenha tinham “muita fé” em Melo Antunes e que o apoio dos militares do seu grupo, combinado com a base popular dos socialistas, iriam ser capazes de fazer cair Vasco Gonçalves, “mesmo se Melo Antunes e o PS tenham de entrar na clandestinidade ou enfrentar detenções a curto prazo”.  

Após este telegrama diplomático, Carlucci foi chamado de imediato a Washington, onde, a 12 de Agosto, teve uma reunião com o próprio secretário de Estado, Henry Kissinger, e outros elementos do seu gabinete. O embaixador expôs a suas preocupações, falou-se de apoios monetários.

A dada altura da conversa em Washington, Kissinger vira-se para Frank Carlucci e diz: “Tens de correr alguns riscos, Frank. Quero que impeças qualquer ação que possa desencadear um tipo de acontecimento como o de 11 de Março. Mas quero que fique claro que o que queremos em Portugal, não pode ser alcançado sem riscos. Apoio-te se fores apanhado a correr riscos. E até apoio os incompetentes se o que eles fizerem acabar por ser bem-sucedido”. 

E o resto é história: O governo de Vasco Gonçalves caiu a 8 de Setembro, sendo substituído por Pinheiro de Azevedo. O período que se seguiu seria marcado por mais convulsões políticas, como a tentativa de sequestro do governo (22 de Setembro), manifestação de apoio ao governo no Terreiro do Paço (9 de Novembro) – celebrizado pelos apelos de calma do primeiro-ministro, “É só fumaça! O povo é sereno!” –, sequestro da Assembleia da República (12 e 13 de Novembro), juramento de bandeira revolucionário (21 de Novembro) e, finalmente, as ações militares de 25 de Novembro que acabaram por “colocar a democracia nos eixos”. Pelo meio, a 11 de Novembro, Angola recebeu a independência, sendo esta a última colónia portuguesa a ter esse reconhecimento.

Para epílogo, diga-se que, duas semanas depois do 25 de Novembro, Carlucci encontrou-se com Melo Antunes. Foi a 5 de Dezembro que o homem-chave dos EUA em Lisboa e futuro número dois da CIA falou com o político português sobre o golpe que afastou a esquerda do poder. “Ao discutirmos a possibilidade do que poderia ter ocorrido caso os comunistas tivessem chamado os seus militantes para a rua, Melo Antunes disse-me que tinha na mente ‘a oferta de assistência de Kissinger’. Ele não se alongou, mas ficou claro que estava a pensar na assistência militar no calor da contenda”, escreveu depois o embaixador para Washington. 

Por fim, rematou Carlucci no mesmo telegrama diplomático enviado para o Departamento de Estado: “Os comentários de Antunes sobre o apoio dos EUA demonstram que o nosso apoio teve efeito num momento crítico. O governo de Portugal poderia não ter sido tão decisivo se não soubesse que estávamos lá. O comentário de Melo Antunes no parágrafo 1 também sugere o quão próximo se esteve do confronto”. A história do 25 de Novembro, pelo que aqui está demonstrado, não pode apagar os norte-americanos nem a sua inteligência.

 

  

    

 

 

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