Saúde

Bebés ouvem e reconhecem línguas antes mesmo de nascer

NOTÍCIAS DE COIMBRA | 1 dia atrás em 09-10-2025

Imagem: depositphotos.com

Durante anos, cientistas suspeitaram que os fetos conseguiam captar sons do mundo exterior e que estas primeiras experiências sonoras poderiam moldar o cérebro.

Agora, investigadores da Universidade de Montreal apresentaram evidências que confirmam essa hipótese: mesmo antes do nascimento, os bebés começam a mapear os ritmos e cadências da linguagem nos seus circuitos neurais em desenvolvimento — até em línguas estrangeiras, diferentes da língua materna.

A equipa, liderada pela neuropsicóloga Anne Gallagher, descobriu que apenas algumas semanas de exposição a uma língua estrangeira no útero podem reprogramar o cérebro de um recém-nascido. Bebés que ouviram dez minutos de histórias em hebraico ou alemão antes do nascimento processaram estas línguas nas mesmas regiões cerebrais utilizadas para o francês nativo.

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“Mesmo alguns minutos de audição por dia durante algumas semanas são suficientes para modular a organização das redes cerebrais”, afirmou Anne Gallagher.

O estudo envolveu sessenta gestantes francófonas. A partir da 35.ª semana de gestação, algumas foram instruídas a reproduzir gravações de um conto em francês e numa segunda língua — alemão ou hebraico — através de fones de ouvido colocados sobre o abdómen.

“Procurávamos línguas acústica e fonologicamente diferentes do francês”, explicou a coautora Andréanne René.

Cada gestante ouviu as gravações cerca de 25 vezes antes do parto. Três dias depois do nascimento, os investigadores repetiram as histórias em três idiomas: francês, a língua estrangeira familiar e uma língua completamente nova, pode ler-se na ZME Science.

Os bebés usaram um dispositivo semelhante a uma touca de natação com luzes, chamado espectroscopia funcional no infravermelho próximo (fNIRS), que mede alterações na oxigenação do sangue no córtex cerebral, revelando as áreas activas. Quando ouviam francês, os recém-nascidos ativavam o córtex temporal esquerdo, a mesma área utilizada pelos adultos para a linguagem. O mesmo padrão verificou-se com a língua estrangeira ouvida no útero, mas a resposta diminuiu e tornou-se difusa com uma língua totalmente desconhecida.

Este estudo corrobora décadas de evidências de que os fetos reconhecem padrões sonoros antes do nascimento. Estudos comportamentais anteriores mostraram que os recém-nascidos preferem a voz ou a língua materna, mas esta é a primeira investigação que revela o fenómeno diretamente em imagens cerebrais.

“Não podemos dizer que os bebés ‘aprendem’ uma língua antes do nascimento”, sublinha Anne Gallagher. “Podemos dizer que desenvolvem familiaridade com uma ou mais línguas durante a gestação, o que molda as suas redes cerebrais ao nascer.”

No último trimestre, o sistema auditivo fetal está totalmente funcional. Embora o útero filtre frequências altas, sons mais graves — abaixo de cerca de 400 Hz — passam claramente.

“Isso mostra o quão maleáveis são as redes linguísticas”, afirmou Gallagher. “Mas também nos lembra da sua fragilidade: se um ambiente positivo tem efeito, um negativo também terá.”

O estudo reforça a ideia de que o cérebro humano não nasce uma tela em branco. Segundo Ana Carolina Coan, neurologista pediátrica, não envolvida na investigação:

“O cérebro do recém-nascido já é especializado. O ambiente gestacional começa a moldar o processamento cerebral antes mesmo do nascimento.”

Embora não se trate de criar bebés multilíngues antes do parto, os resultados oferecem pistas sobre a origem da linguagem e potenciais tratamentos para crianças com distúrbios da fala.

“Ainda não chegámos lá”, alerta Anne Gallagher, “mas é possível que um dia esta abordagem apoie crianças vulneráveis ou com transtornos de desenvolvimento.”

Por agora, o estudo evidencia que o aprendizado começa muito cedo, mostrando que, mesmo antes de pronunciar palavras, o bebé já ouve e reconhece sons, preparando o terreno para a aquisição da linguagem ao longo da vida.

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