O valor real das bolsas atribuídas aos estudantes carenciados no ensino superior caiu na última década e a maioria dos estudantes diz que só chega para cobrir até 20% das despesas, segundo um estudo divulgado hoje.
A conclusão consta do relatório final do estudo de avaliação do sistema de ação social no ensino superior, realizado por investigadores da Universidade Nova de Lisboa e que servirá de base ao novo Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior, que entrará em vigor no ano letivo de 2026/2027.
No ano letivo 2013/2014, o valor real total atribuído ultrapassava os dois mil euros, mas em 2023/2024, ano a que se referem os dados mais recentes, não chegava a 1.500 euros, registando-se também uma redução no valor após o pagamento da propina.
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“Esta diminuição reflete o impacto da inflação, que não foi acompanhada por uma atualização dos montantes atribuídos, resultando numa perda significativa do poder de compra dos beneficiários”, refere o relatório.
Em inquéritos conduzidos junto dos estudantes, a maioria sublinhou a insuficiência do valor deste apoio e, questionados se as necessidades educacionais (excluindo o valor da propina) são cobertas pela bolsa, a resposta mais frequente é que não chega para mais de 20% dos custos.
No entender dos investigadores, este resultado sugere que a bolsa de ação social da Direção-Geral do Ensino Superior poderá ser insuficiente, mas “não será esse o propósito da bolsa”, sublinham, apontando o impacto positivo no desempenho académico dos alunos.
De acordo com a análise realizada, receber bolsa logo no primeiro ano reduz a probabilidade de abandono escolar e de os alunos mudarem de curso, e aumenta a probabilidade de concluírem os estudos dentro do prazo previsto.
Ainda assim, o relatório aponta algumas fragilidades no atual sistema de ação social do ensino superior, como a complexidade do processo de atribuição de bolsa, percecionada sobretudo pelos estudantes com pais menos escolarizados, que tendem a achar o processo de candidatura mais complexo, aumentando desigualdades no acesso à ajuda financeira.
Por isso, os investigadores defendem a necessidade de desenvolver um processo de candidatura mais inclusivo e “acessível a estudantes de contextos socioeconómicos diversos”.
Uma forma de melhorar o acesso à bolsa é a atribuição automática do apoio aos alunos do 1.º ano que beneficiavam de ação social escolar no ensino secundário.
Este mecanismo já está previsto, mas implica que os alunos solicitem a atribuição de bolsa, submetam os mesmos documentos que os colegas que não são abrangidos pela medida e, durante o ano letivo, o montante atribuído pode vir a ser revisto ou a bolsa pode mesmo cessar.
“A existência da possibilidade de exigência da devolução dos montantes já atribuídos anula o valor que a atribuição automática de bolsa traz à previsibilidade que os alunos que se candidatam ao ensino superior teriam do seu lado”, sublinham os investigadores, que defendem a atribuição da bolsa “de forma verdadeiramente automática”.
A recomendação passa por dispensar os alunos beneficiários de ação social escolar no secundário de se candidatarem à bolsa e, ao longo do primeiro ano do curso, o montante atribuído não deverá sofrer alterações.
“A simplificação do processo aumentaria o número de matrículas, ao reduzir as barreiras administrativas e garantir que nenhum estudante elegível fosse excluído devido à falta de conhecimento ou à complexidade perspetivada do processo de candidatura à bolsa”, refere o relatório.
Outra das recomendações passa por investir na divulgação dos apoios existentes, simplificar e clarificar o processo de candidatura e harmonizar as definições de agregado familiar e de rendimento para eliminar as diferenças entre o ensino secundário e o ensino superior, facilitando também a atribuição automática.
Por outro lado, o estudo analisou também o programa +Superior, que pretende incentivar e apoiar a frequência do ensino superior em regiões com menor procura e menor pressão demográfica por estudantes deslocados carenciados.
Sem um impacto significativo sobre o número total de matrículas e a percentagem de estudantes deslocados, os investigadores sugerem que o programa seja reavaliado.
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