Opinião

Apelido: Coragem

OPINIÃO | Angel Machado | 1 hora atrás em 08-09-2025

Ouso contar uma história desenhada pelos pés. Pouca gente a conhece. Pouca gente a lê. É memória depurativa, o que agora escrevo. O início, uma sentença ordinária. Precisávamos de a viver juntos para esgotarmos os sentidos. Privilégio: palavra vantajosa do dicionário, mas virtude apenas de quem a usa sem presunção.

Havia uma possibilidade única: respirar a própria razão. Sei ao pormenor como se leem as instruções, mas recuso-lhes a paciência. Se posso vaguear pelos olhos dos outros, espero apenas que vagueiem pelos meus. Entre falas e escutas, erguem-se gestos sem som. Partituras para um piano inconformado.

A ordem dos artistas rendidos: réus secundários da própria Arte. Há um movimento secreto de satisfação quando alguém ousa julgar loucura de ser artista. Porque, quando tudo o que se tem é o nada, aí começa a criação. Quando desistimos de emergir, chega a glória dos dias que jamais esqueceremos. O dia em que evocámos a coragem. O dia. Apenas o dia. Apenas a hora. Apenas — como um canto que ressoa a paz brutalmente desconhecida.

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Precisamos de saber se estaremos nos livros de História. E, se lá estivermos, que a esperança seja esta: vivos, reluzentes, puros. Sem antecedentes que manchem a reputação de um humano que soube preservar o mais “umano” de si — o erro e o vazio ao confrontá-lo.

Dos tempos terríveis que atravessamos resta erguer mastros. Pilares que induzam liberdade de pensamento. Liberdade injustificável, tantas vezes incapaz de nos amparar.

No quadro exposto tínhamos uma mesa farta de alegorias. Um sítio incomparável. Éramos, ali, a concentração de uma realidade bebida num único gole. E, talvez, cada um de nós tivesse o seu alazão.

Planeamento. Régua. Esquadro. Um ligeiro enriquecimento plural de ideias incontestáveis. Imaginação de teorias sem prática. Dos excessos que não contornamos. Tudo vivido num quarto com janela. Vista para um caminho cujo destino ignoro. Não os conheço, embora tenham nomes. Famílias. Cachorros. Escritórios. Sonhos. Uma religiosidade sem templos.

Não os conheço, meu Deus! Não somos vizinhos, nem astronautas. Apenas andarilhos. Escrevemos, com os pés magoados, uma história em que somos personagens. Encontramo-nos, às vezes, por precaução. E, por vezes, eu quis ser mastigadora de palavras. Soltá-las para os canibais que, como eu, não abreviam histórias.

Qual é o meu nome? Ou qual o nome que devo usar? Às vezes não sei. Mas, num dia como hoje, sei-o sem dúvida: todos os apelidos são Coragem.

OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA

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