Portugal

António quer afiar até ter força para fazer rodar o esmeril e vai andar por aí

Notícias de Coimbra | 2 anos atrás em 11-09-2022

Amolador há 40 anos, António percorre o país de lés a lés para ganhar a vida com a arte que aprendeu com o avô e que só abandonará quando faltar força para pedalar na bicicleta e rodar o esmeril.

PUBLICIDADE

Da gaita de beiços, de plástico e vermelha e branca a que António Loureiro chama de “apito”, saem diferentes sonoridades que anunciam a chegada.

A melodia do amolador de 59 anos ouve-se há dias em Viana do Castelo. António sopra com força, enquanto empurra a bicicleta que herdou do pai, para que o som se espalhe por ruas e ruelas dos bairros mais habitados da cidade.

PUBLICIDADE

“Só deixarei de ser amolador quando não puder mais. Faço isto com muito amor e muito carinho. Não troco esta profissão por mais nenhuma”, contou à Lusa, enquanto esperava por clientes.

O ofício de “pedalar em seco” para fazer rodar o esmeril, a pedra dura que afia facas, tesouras, chapéus de chuva, sombrinhas, alicates de unhas, tesouras de relva e da poda, começou com o avô, passou para o pai, depois para António Loureiro e para os dois irmãos.

PUBLICIDADE

“Também arranjo tachos e panelas, mas agora já não aparecem. Estão em vias de extinção como os amoladores. Se não houver força das pernas, acaba. Isto não vai durar sempre”, afirmou.

Nascido no Alentejo, em Montemor-o-Novo, no distrito de Évora, António conhece o país todo graças à “arte” que chegou à terceira geração, mas que nenhum dos três filhos quis seguir.

Um formou-se em enfermagem, a rapariga é tradutora de línguas e o outro é segurança.

Quando os dois rapazes “ainda eram novitos”, António tentou ensiná-los para garantir a passagem do testemunho, mas os “miúdos nunca penderam” para o ofício.

“É uma profissão que não rende muito. Se se ganhar para comer, come-se. Se não se ganhar, não se come. Não é uma coisa certa. Posso andar a tarde toda e não me aparecer nada para afiar, ou se aparece uma faca ou uma tesoura dá-me três euros. É complicado, para mais para a juventude”, apontou.

A carrinha onde se desloca de terra em terra, e transporta a bicicleta com mais de 40 anos, é também o porto de abrigo para as noites. Serve para dormir, mas para as refeições António recorre aos restaurantes que já conhece e onde come pelo melhor preço.

O amolador alentejano programa cada temporada de trabalho antes de partir de casa, em Almada, no distrito de Setúbal.

Esta última campanha começou na Figueira da Foz e vai até Monção, também no distrito de Viana do Castelo.

“Depois regresso a Almada, estou uma semana ou 15 dias em casa e depois vou para a zona de Trás-os-Montes, Viseu, Vila Real, Peso da Régua, Chaves e volto para baixo, outra vez. Ando assim”, explicou.

Noutros tempos, quando andava a aprender o ofício com o avô, chegava a estar fora de casa três, quatro meses.

Agora o tempo que permanece em cada localidade depende de como corre o negócio. Em Viana do Castelo, por onde tem estado nos últimos dias, o negócio tem dado “para as despesas”, mas nem o peso da idade o faz trocar de profissão.

“Com quase 60 anos, vou fazer o quê? Não sei ser pedreiro, não sou doutor de [fazer] chapéus, facas e tesouras. Não sei fazer nada” a não ser amolar, observou, apitando a gaita de beiços e partindo em busca de mais clientes.

Com António Loureiro, a sua oficina andante, que já teve que levar algumas peças novas, continua a rodar o país, de norte a sul, sempre à procura de clientes com facas ou tesouras para afiar.

Related Images:

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE