“Dormir sobre o assunto” é um conselho antigo, repetido por gerações, e que muitos já experimentaram na prática: um problema complicado parece ganhar clareza depois de uma boa noite de sono. Longe de ser apenas uma sensação subjetiva, a ciência confirma que o sono desempenha um papel fundamental na resolução de problemas, na criatividade e na tomada de decisões.
Durante muito tempo, os cientistas sabiam que o sono era essencial para a sobrevivência, mas desconheciam grande parte das suas funções reais. Hoje, graças a avanços na neurociência, começa a ficar mais claro o que acontece no cérebro enquanto dormimos — e porque acordamos, muitas vezes, com novas perspetivas.
Ao contrário do que se possa pensar, o cérebro mantém-se altamente ativo durante o sono. Os sonhos são apenas a parte mais visível desse processo. Segundo a chamada teoria da consolidação ativa dos sistemas, o cérebro revê e reorganiza memórias enquanto dormimos.
De acordo com um artigo científico publicado em 2021, essa reativação da memória tem uma dupla função: fortalecer memórias recentes, tornando-as mais estáveis, e integrá-las em redes de memória de longo prazo, permitindo novas associações e ideias.
Vários estudos mostram que o sono melhora significativamente a capacidade de encontrar soluções. Um estudo de 2021 treinou participantes num videojogo de resolução de problemas e depois dividiu-os em dois grupos: um passou a noite a dormir, o outro manteve-se acordado.
Os resultados foram claros: 62% dos participantes que dormiram conseguiram resolver um novo quebra-cabeças, contra apenas 24% dos que permaneceram acordados, pode ler-se na IFL Science.
Estes dados reforçam conclusões de um estudo anterior, de 2019, que demonstrou ser possível “estimular” o cérebro durante o sono. Nesse trabalho, sons associados a problemas não resolvidos foram reproduzidos enquanto os participantes dormiam. Na manhã seguinte, eram precisamente esses problemas que tinham maior probabilidade de ser resolvidos.
Ainda assim, os investigadores fazem um alerta importante: o sono não cria conhecimento do nada. “Dormir não nos vai ensinar física quântica ou curar doenças raras se não tivermos o conhecimento prévio necessário”, sublinha o investigador Mark Beeman. O sono ajuda, sobretudo, quando já temos todas as peças do puzzle, mas não conseguimos encaixá-las.
O impacto do sono não se limita à criatividade. Um estudo de 2024, conduzido por cientistas da Universidade Duke, concluiu que dormir antes de tomar uma decisão ajuda a reduzir o chamado viés de primazia — a tendência para dar demasiado peso à primeira informação recebida.
Segundo a investigadora Allie Sinclair, o sono permite um maior distanciamento emocional e cognitivo, levando a decisões mais racionais e equilibradas, especialmente em escolhas mais complexas.
A ciência também aponta para a importância da hipnagogia, o estado intermédio entre a vigília e o sono. É nesse momento que surgem imagens mentais espontâneas e associações inesperadas.
Thomas Edison acreditava no poder criativo desse estado e recorria a um método curioso: adormecia segurando um objeto, como uma colher, que caía e o acordava assim que entrava no sono. Estudos recentes sugerem que o inventor talvez tivesse razão.
Em 2021, investigadores franceses demonstraram que o início do sono é particularmente fértil para a criatividade. Participantes que acordaram após um cochilo muito curto tiveram mais sucesso a identificar soluções ocultas para problemas matemáticos do que aqueles que permaneceram acordados ou dormiram profundamente.
Embora nem sempre seja prático “dormir sobre o assunto”, sobretudo em situações imediatas, a investigação científica confirma que o sono é uma poderosa ferramenta cognitiva. Ajuda a organizar ideias, encontrar soluções criativas e tomar decisões mais ponderadas.
Há ainda muito por descobrir sobre o papel do sono no cérebro humano, mas uma coisa parece certa: aquele conselho antigo de fechar os olhos e pensar amanhã tem, afinal, fundamento científico.
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