Coimbra

A Europa é uma canção | Incêndios, cheias e tempestade despertaram a região para urgência climática?

Notícias de Coimbra | 3 anos atrás em 06-09-2021

Perderam-se vidas. Casas, empresas e bens reduziram-se a cinzas, outros voaram com a tempestade ou ficaram irremediavelmente destruídos pelas cheias. Não foi do outro lado do mundo, foi aqui na nossa região de Coimbra. Desta dor nunca será possível recuperar. Quem sobreviveu aprendeu a ser resiliente todos os dias nestes territórios que despertaram violentamente a urgência do combate às alterações climáticas em três momentos dramáticos: no interior, os incêndios florestais de outubro de 2017, no litoral, pelo furacão Leslie em 2018 e as cheias em Coimbra e no Baixo Mondego, em 2019.

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A recuperação da região foi impulsionada com o financiamento da União Europeia que se associou às políticas nacionais e regionais para a reabilitação das habitações e empresas destruídas em ambas as catástrofes. Integrada no trabalho alargado do NDC com o título “A Europa é uma Canção. Coimbra é a cidade”, desenvolvido em colaboração com a representação da Comissão Europeia em Portugal, fomos verificar em que medida a União Europeia impulsionou a recuperação dos territórios. No final deste artigo, e para desmitificar ideias feitas sobre a UE, encontra também esclarecido o mito de que a Europa paga aos agricultores para não produzirem.

“As copas de eucalipto em chamas” empurradas pelos ventos fortes numa noite quente e seca provocaram a destruição total da Carpintaria Brito, naquela fatídica noite de 15 para 16 de Outubro de 2017. Foram algumas horas de terror em que não foi possível salvar os bens e as empresas da zona industrial, porque a prioridade era salvar as vidas. A empresária acredita que é possível voltar a repetir-se o cenário e com as alterações climáticas a ciência está a prever que fenómenos como os daquele dia se repitam.

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No parque industrial de Oliveira do Hospital “duas empresas foram totalmente destruídas nos incêndios”, recorda, mas houve muitas outras com prejuízos avultados. A laborar há um ano nas instalações reconstruídas, a Carpintaria Brito emprega cerca de duas dezenas de pessoas. Para não parar, chegou a laborar em instalações emprestadas por outras empresas do ramo por forma a conseguir responder às encomendas.

A solidariedade sentida a seguir ao desastre foi muito importante para a recuperação das empresas, revela, mas o trauma ficou bem vincado nas vidas de quem teve de fugir da própria casa sem olhar para trás. Isabel Brito recorda aquele dia com a mágoa na voz e realça que se na altura ninguém estava preparado para a catástrofe, hoje em dia continuam a faltar meios para enfrentar o mesmo cenário.

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Este é apenas um testemunho mas muitas estórias se podiam contar daqueles dias de inferno na região de Coimbra. O fogo teve início na Lousã e dois dias depois já abrangia grande parte do interior dos distritos de Coimbra e Viseu, ceifando cerca de 50 vidas humanas. Na maioria, pessoas que estavam em casa a dormir e que não deram pela chegada do fumo e das chamas, concluiu um relatório citado então pela Agência Lusa e liderado pelo investigador em incêndios florestais, Domingos Xavier Viegas, da Universidade de Coimbra.

A probabilidade da repetição das catástrofes está a aumentar a cada dia e há um conjunto de políticas e projetos que os decisores têm vindo a colocar em prática com o apoio dos fundos de coesão europeus e do Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal). Com as previsões divulgadas nos últimos dias pela Organização das Nações Unidas (ONU) no que toca ao agravamento dos efeitos das alterações climáticas todos os projetos que visam a sustentabilidade passam para a ordem do dia. Será suficiente?

Dos relatórios e comissões oficiais extrai-se que o perfil das zonas florestais e agrícolas da região terá potenciado a propagação das chamas, que na sua maioria foram provocadas por queimadas. Desde então, a região tem recebido visitas regulares de governantes que anunciam não só a reflorestação de toda a região, como o reforço dos meios de deteção e combate a incêndios.

Neste cenário, em que a gestão e resiliência dos territórios estão na ordem do dia, são anunciados ainda mais programas e projectos para a recuperação, agora também associada aos efeitos negativos da pandemia de covid-19.

A medida «Resiliência dos territórios face ao risco», inserida na iniciativa de financiamento REACT-EU, foi apresentada a 11 de agosto de 2021 na Mealhada. Disponibiliza 45 milhões de euros para ações de recuperação, beneficiação e rearborização de áreas florestais, mas também para modernização dos viveiros públicos.

A REACT-EU: Assistência à Recuperação para a Coesão e os Territórios da Europa trata-se de uma iniciativa legislativa de emergência, um instrumento de reforço da Política da Coesão, criado pela Comissão Europeia, para acelerar a recuperação da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus e à preparação de uma recuperação ecológica, digital e resiliente da economia.

Das lições retiradas dos desastres naturais, a região de Coimbra, tal como o país, está vulnerável aos efeitos do clima e do aquecimento global, tanto no que toca ao risco de incêndio, como ao risco de cheias, como se comprovou dois anos depois dos fogos, em 2019, na bacia do Mondego.

Estas medidas de recuperação e resiliência serão suficientes perante o avanço das alterações climáticas?

 

 

O European Green Deal explicado

A Comissão Europeia, liderada por Ursula von der Leyen, apresentou a 11 de dezembro o prometido Green Deal europeu, documento que orienta a União Europeia (UE) rumo à neutralidade carbónica em 2050. Composto por um roteiro de 47 ações, incluindo uma nova Estratégia Europeia para as Florestas, o Green Deal (também conhecido, em português, como Pacto Ecológico Europeu) ambiciona ser a marca distintiva da Comissão von der Leyen e da liderança europeia em matéria de ação climática.

O European Green Deal  engloba três vertentes: tornar a adaptação ao aquecimento global “mais inteligente”, “mais sistémica” e “mais rápida”.

No que se refere a uma adaptação “mais inteligente”, a Comissão prevê uma maior recolha e partilha de dados de maneira a poder desenvolver “modelos mais precisos” sobre desastres naturais.

Segundo Timmermans, os dados permitirão que os agricultores “possam planear melhor as sementes que plantam”, que as famílias que compram casas “possam saber os riscos climáticos que podem enfrentar” e que as cidades saibam como “proteger os seus residentes de acontecimentos climáticos extremos”.

Nesta vertente, o executivo anunciou a criação de um Observatório Europeu para o Clima e a Saúde, que irá “analisar o impacto direto de acontecimentos quentes e frios extremos na propagação de novas doenças”.

No âmbito da adaptação “mais sistémica”, prevê-se um apoio maior ao “nível local”, através do fornecimento de “conselhos específicos” às “comunidades mais vulneráveis”, para que possam “encontrar o conhecimento para planear e os recursos para agir”.

“Também temos de considerar o impacto das alterações climáticas na política fiscal. Os acontecimentos climáticos extremos criam, em média, uma perda de 12 mil milhões de euros anuais na UE. Se não conseguirmos evitar um aumento de três graus na temperatura [até ao final do século], este valor pode subir até aos 170 mil milhões anuais”, informou Timmermans.

A terceira vertente, de adaptação “mais rápida”, visa “criar ligações entre a “adaptação e a implementação”.

“Iremos trabalhar com o Banco Europeu de Investimento para aumentar o financiamento para a adaptação. Também iremos intensificar a nossa colaboração com o setor dos seguros: a diferença de proteção ao clima ainda é elevada e, muito frequentemente, o fardo dos desastres naturais recai em famílias e empresas sem seguro”, apontou o comissário.

Além da dimensão interna da estratégia, a UE prevê também ajudar os parceiros externos a adaptarem-se ao aquecimento global, prevendo “aumentar o financiamento internacional para construir a resiliência climática” e “fortalecer as trocas e a cooperação global”, de maneira a aprender com países que estão “nas fronteiras das alterações climáticas” e que têm “experiências valiosas que podem ajudar a Europa a tornar-se mais resiliente” perante o clima.

“Os impactos climáticos fora das nossas fronteiras irão afetar cada vez mais também a Europa. Há muito que podemos aprender de países como o Bangladesh, ou pequenas ilhas no Pacífico: para eles, a adaptação tem sido uma tarefa existencial há já algum tempo, e existencial no sentido mais literal da palavra”, sublinhou Timmermans.

A UE comprometeu-se a atingir a neutralidade carbónica até 2050, estando, no entanto, a decorrer as negociações entre a presidência portuguesa do Conselho da UE e o Parlamento Europeu (PE) sobre a Lei Europeia do Clima, que implementará na legislação europeia as metas climáticas.

No entanto, os dois parceiros encontram-se divididos nas metas a introduzir relativamente a 2030: enquanto que o Conselho da UE prevê um corte de 55% das emissões, o PE é mais ambicioso e pede que haja um decréscimo de 60% relativamente aos níveis de 1990.

 

Mitos na União Europeia relacionados com a sustentabilidade

A Europa paga aos agricultores para não produzirem? Mito!

A Política Agrícola Comum (PAC) foi criada para proporcionar aos cidadãos da UE alimentos a preços acessíveis e garantir um nível de vida equitativo aos agricultores. Passados 50 anos, estes objetivos mantêm-se válidos. A PAC atravessou três períodos principais: levou a Europa da escassez alimentar à abundância, foi alterada e adaptada para fazer face a novos desafios ligados à sustentabilidade e ao ambiente e alargou o papel dos agricultores no desenvolvimento rural para além da mera produção alimentar. Atualmente, o objetivo é reforçar a competitividade e a sustentabilidade da agricultura das zonas rurais em todo o território da UE.

A nova política dá resposta aos desafios económicos, ambientais e territoriais que a Europa enfrenta neste momento. Também não devemos esquecer os compromissos políticos assumidos pela UE face aos seus parceiros comerciais a nível mundial no âmbito da Organização Mundial do Comércio, que impõem limitações a todos os parceiros nos incentivos económicos à produção agrícola.

Dizer que a PAC paga aos agricultores para não produzirem, como se fosse o resumo desta política, não corresponde à realidade. Houve, de facto, uma redução da produção agrícola mas esse não é o único efeito nem a única medida da PAC, nem é, de resto, um objetivo prosseguido ativamente. As regras e as verbas da PAC implicam também assegurar o rendimento dos agricultores, a proteção do espaço rural e a qualidade e segurança alimentares.

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