Foi o jornal Público que noticiou: a meio ano do fim do prazo, apenas 10 dos 1500 edifícios públicos previstos no programa Acessibilidades 360º foram adaptados. O mesmo programa, financiado pelo PRR, previa mil habitações e só interveio em 21%. Nas vias públicas, de 200 mil metros quadrados prometidos, só 2% viram obras. A Comissão Nacional de Acompanhamento fala de «falhas estruturais» e até de uma perceção generalizada de que tudo isto é uma obrigação legal e não uma necessidade real.
Não é uma surpresa. Nem sequer é um escândalo, porque são muito poucos os que se conseguem escandalizar com tamanha vergonha. Em Portugal, aquilo que diz respeito às pessoas com deficiência é quase sempre uma nota de rodapé na agenda política e social. Em parte, porque elas não são muitas nas contas que os políticos e os meios de comunicação social fazem – e não sendo muitas, não representam uma fatia de votos ou de audiência capaz de provocar incómodo.
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Mas, se alargarmos o espetro e olharmos para a sociedade como um todo, constatamos que o comum dos mortais continua a olhar para as pessoas com deficiência como ‘os outros’. Sejam eles os que precisam, os que dependem, os que comovem ou os que inspiram, raramente são encarados como cidadãos com os mesmos direitos que qualquer outro. Em resumo, o paternalismo é o disfarce educado (mas nem por isso menos abjeto) da exclusão.
Numa tese que admito controversa, vejo aqui uma raiz mais funda: os portugueses não gostam verdadeiramente da ideia de justiça, preferem a caridade. Porque se a justiça põe todos ao mesmo nível, a caridade permite-nos olhar para baixo. A caridade deixa-nos a nós no andar de cima, a estender uma esmola, um favor, uma ‘atenção’.
Somos um povo com um profundo complexo de inferioridade, que o combate com pequenos mecanismos de falsa superioridade.
Mudar esta forma de olhar é uma exigência moral. A acessibilidade, a participação e a cidadania plena não são favores que se concedem – são direitos que se reconhecem. Uma sociedade que aceite viver confortavelmente com a exclusão de alguns está, no fundo, a aceitar viver sem princípios. Nenhuma comunidade que se queira decente pode resignar-se a isso.
OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO
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