Educação

Aulas de música tornam as crianças mais inteligentes?

NOTÍCIAS DE COIMBRA | 3 horas atrás em 19-12-2025

Durante décadas, as aulas de música foram promovidas como um atalho para aumentar a inteligência infantil. No entanto, a investigação em psicologia sugere agora que o efeito é outro: a música não cria mentes mais brilhantes, antes atrai e evidencia crianças já curiosas, disciplinadas e persistentes.

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A ideia de que aprender música aumenta o quociente de inteligência (QI) ganhou força no final dos anos 1990, quando vários estudos mostraram que músicos e crianças com formação musical obtinham melhores resultados em testes de QI, memória e linguagem. Um estudo influente de 2004, liderado pelo psicólogo E. Glenn Schellenberg, chegou a indicar um pequeno aumento médio de cerca de três pontos de QI em crianças que frequentaram aulas de música durante um ano.

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Esses resultados alimentaram manchetes optimistas e reforçaram a crença de que bastaria colocar uma criança a tocar piano ou violino para potenciar o seu desenvolvimento cognitivo. Contudo, investigações posteriores vieram lançar dúvidas sobre essa interpretação.

A maioria dos estudos iniciais era de natureza correlacional: comparavam crianças que já tinham aulas de música com outras que não tinham. O problema, sublinham os investigadores, é que as aulas de música não são distribuídas aleatoriamente na sociedade. Tendem a ser frequentadas por crianças de famílias com maior rendimento, pais mais escolarizados e mais acesso a actividades extracurriculares — factores que, por si só, já estão associados a melhores resultados académicos.

Num artigo publicado em 2013, as psicólogas Kathleen Corrigall, Nicole Misura e Glenn Schellenberg inverteram a pergunta habitual. Em vez de questionarem se a música aumenta a inteligência, procuraram saber se características pré-existentes — como o QI, o contexto familiar e a personalidade — explicam quem escolhe aulas de música e quem nelas persiste.

Os investigadores analisaram dois grupos: 118 estudantes universitários e 167 crianças entre os 10 e os 12 anos. Mediram o QI, as notas escolares, o contexto familiar e os traços de personalidade segundo o modelo dos Cinco Grandes Factores.

Os resultados mostraram que, à primeira vista, quem estudou música durante mais tempo tinha, em média, QI mais elevado e melhores notas. No entanto, quando a personalidade foi tida em conta, o cenário mudou.

Nos adultos, a chamada “abertura à experiência” — associada à curiosidade, imaginação e interesse pelas artes — revelou-se tão ou mais importante do que o QI para prever o envolvimento musical. Nas crianças, esse traço foi ainda mais determinante: depois de controlados a personalidade e o contexto familiar, o QI deixou de prever a duração das aulas de música.

O mesmo aconteceu com o desempenho escolar. A vantagem académica associada às aulas de música desapareceu quando os investigadores incluíram a “conscienciosidade”, o traço ligado à disciplina, organização e persistência. Ou seja, não é a música que melhora as notas, mas as mesmas características pessoais que levam uma criança a praticar regularmente um instrumento, pode ler-se no ZME Science.

Os investigadores sublinham que isto não significa que a música não tenha qualquer impacto no cérebro. Estudos em neurociência mostram que o treino musical intensivo altera áreas sensoriais e motoras e melhora capacidades auditivas específicas. No entanto, esses efeitos são modestos, dependem da continuidade da prática e não explicam grandes diferenças de inteligência.

A música, concluem os especialistas, funciona menos como uma “droga milagrosa” para a cognição e mais como uma lupa: amplifica diferenças já existentes, em vez de criar capacidades novas do zero.

A discussão lembra o célebre “efeito Mozart”, popularizado nos anos 1990 a partir de um pequeno estudo que mostrou uma melhoria temporária no raciocínio espacial após ouvir música clássica. A ideia rapidamente se transformou num mito — o de que ouvir Mozart aumentaria o QI —, mas estudos posteriores demonstraram que o efeito era breve e provavelmente relacionado com o humor e a excitação, não com ganhos duradouros de inteligência.

Hoje, o consenso científico é claro: não há provas de que ouvir música, por si só, torne as pessoas mais inteligentes.

Para os investigadores, a pergunta essencial não é se a música aumenta o QI, mas por que razão algumas crianças se apaixonam pela música e persistem nela. A resposta aponta para traços profundos da personalidade.

A música não transforma crianças em génios, mas oferece prazer, expressão artística e ligação social. E, acima de tudo, atrai mentes curiosas, recompensa a persistência e reflecte quem somos — mais do que nos transforma.

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