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Dona Isabel, a guardiã dos tremoços de Cantanhede: 38 anos de uma arte que está a desaparecer

NOTÍCIAS DE COIMBRA | 11 horas atrás em 18-12-2025

Imagem: Gastropiço/ YouTube

Por entre panelas ao lume, noites sem dormir e cinco dias de trabalho invisível, o Gastropiço de Montemor-o-Velho conheceu a dona Isabel Ribeiro, uma das últimas grandes tremoceiras artesanais de Portugal.

“Hoje vocês vão conhecer um dos melhores tremoços de Portugal e vão perceber porque é que são dos produtos menos valorizados e provavelmente vão acabar, pelo menos os bons.” É com este aviso que começa uma viagem gastronómica e cultural ao coração de uma tradição portuguesa que resiste à custa de suor, persistência e paixão.

Em Cadima, concelho de Cantanhede, e nas praias da Figueira da Foz, o nome Isabel Ribeiro é sinónimo de qualidade. Tremoceira há 38 anos, Isabel representa uma geração inteira que fez do tremoço artesanal um modo de vida — e que hoje sente o peso do esquecimento. “Sou tremoceira há 38 anos”.

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O trabalho começa quando a maioria ainda dorme. Ou, muitas vezes, quando já devia estar a descansar. “Levanto-me às seis da manhã. Tinha-me deitado à meia-noite, pois estive a cozer tremoços e às seis já estava outra vez de pé.”

Tudo é feito por uma só pessoa. “É tudo sozinha. Tudo sozinha”, conta a tremoceira no vídeo no YouTube de Gastropiço.

O que muitos veem como um petisco barato — “um pratinho que às vezes custa 20 cêntimos” — esconde um processo que demora meses no campo e pelo menos cinco dias até chegar ao prato.

O tremoço é semeado em novembro, colhido em julho, fica 24 horas de molho, é depois cozido, e passa ainda três dias e duas noites em água, com lavagens diárias. “As pessoas não sabem dar o valor. Desde que é colhido até chegar ao prato, são pelo menos cinco dias”, refere Isabel.

Este saber-fazer não se aprende depressa — e já quase ninguém o quer aprender. “Agora já não é ninguém que quer trabalho. Isto é muito trabalho.”

Isabel monta bancas todas as manhãs e todas as tardes, em feiras e praias. Para muitos, esse seria o trabalho mais pesado. Para ela, é quase descanso.

“Venho mais para aqui descansar. Vejo a praia, vejo as pessoas, falo com as amigas. Mas chegando a casa é outra vez a luta.”

O investimento também é alto. “Agora comprei 500 euros de grão. É muito dinheiro. E vai-se tudo embora num instante.”

Ainda assim, não abdica da qualidade. “Aqui em casa vende sempre bem, graças a Deus. Cada vez melhor. Mas é porque faço sempre boa qualidade. Não faço de qualquer maneira.”

A diferença sente-se ao primeiro tremoço. Nada de conservas, acidez artificial ou sabores agressivos. Os tremoços artesanais da região de Cadima são mais delicados, ligeiramente doces, frescos todos os dias.

“Isto não tem nada a ver com tremoços enlatados. O sabor é totalmente diferente.” A conclusão é clara — e preocupante. O tremoço artesanal está em vias de extinção.

Vai desaparecer porque se planta cada vez menos, há cada vez menos tremoceiros, e porque estamos a esquecer o verdadeiro sabor de um bom tremoço, explica. “É uma arte que vai desaparecer. Não é pessimismo, é realidade.”

Ainda assim, fica a esperança. “Espero que a dona Isabel e outros como ela não percam a genica de manter uma tradição que tanto define a nossa cultura”, indica o autor do vídeo.

Quem quiser provar um dos melhores tremoços de Portugal pode encontrar a dona Isabel em Olhos de Fervença, na praia da Figueira da Foz todas as tardes, até meados de setembro.

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