Saúde

Ficar acordado até tarde torna-o mais inteligente? A ciência diz talvez…

NOTÍCIAS DE COIMBRA | 7 minutos atrás em 04-12-2025

A ideia de que as pessoas que ficam acordadas até tarde são mais inteligentes voltou a ganhar destaque, mas a ciência mostra que a relação é muito mais complexa do que parece — e que, acima de tudo, a inteligência não se resume à hora a que alguém adormece.

O ponto de partida está no cronótipo, a predisposição biológica que determina se cada pessoa funciona melhor de madrugada, ao fim do dia ou em horários intermédios. Este ritmo é regulado por estruturas cerebrais conhecidas como núcleos supraquiasmáticos, responsáveis por coordenar o relógio interno dos mamíferos. Embora não seja possível alterar totalmente o cronótipo, os humanos têm uma capacidade única: podem contrariar o seu relógio biológico, escolhendo deliberadamente deitar-se mais tarde ou levantar-se cedo.

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Em 2009, um estudo do psicólogo Satoshi Kanazawa analisou dados de mais de 20 mil adolescentes norte-americanos e concluiu que os jovens com QI mais elevado tendiam, anos depois, a deitar-se mais tarde do que os restantes. A diferença média não chegava a uma hora, mas a hipótese levantada pelo autor — de que indivíduos mais inteligentes seriam mais propensos a desafiar o seu ritmo biológico — rapidamente se tornou viral.

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Apesar disso, muitos especialistas pediram cautela. As diferenças eram pequenas e o estudo não explicava as razões: estudantes com melhor desempenho podiam simplesmente passar mais tempo a estudar, ou viver em ambientes urbanos com mais estímulos à noite. A teoria de Kanazawa, entretanto, foi criticada por exagerar suposições evolutivas e por falta de evidência causal.

Outro estudo, publicado em 2007 por investigadores da Universidade Católica de Milão, encontrou uma associação entre cronótipo vespertino e melhores resultados em testes de pensamento divergente, uma capacidade ligada à criatividade. Segundo os autores, as horas mais tardias podem favorecer um “espírito não convencional”.

Mas estes perfis noturnos também apresentavam maior probabilidade de hábitos pouco saudáveis, como consumo mais elevado de café, tabaco e níveis mais altos de stress.

Em 2024, um estudo do Imperial College London analisou dados de quase 27 mil participantes do UK Biobank e mostrou que pessoas com cronótipo intermédio ou noturno apresentavam vantagens cognitivas ligeiras, mesmo após ajustar fatores como álcool, tabaco ou doenças crónicas.

No entanto, o fator mais determinante não era o horário, mas sim a duração do sono: quem dormia entre 7 e 9 horas tinha melhor desempenho mental. Dormir pouco ou demais estava associado a pior memória, raciocínio e tempo de reação.

A equipa sublinhou que as diferenças entre cronótipos eram modestas e não permitiam concluir que ser noturno torna alguém mais inteligente.

Outras investigações apontam riscos acrescidos para quem vive sistematicamente contra o relógio biológico. Pessoas noturnas tendem a enfrentar mais problemas metabólicos, maior desgaste emocional e até risco de morte prematura 10% superior, segundo um estudo de 2018 da Northwestern University.

Comportamentos associados às horas tardias — alimentação desregulada, sedentarismo, uso de ecrãs e consumo de álcool — parecem ter grande peso nestes resultados. Investigadores de Stanford, em 2024, também associaram noites prolongadas à pior saúde mental.

A maioria dos especialistas concorda: cada pessoa deve tentar sincronizar a sua vida com o seu cronótipo. O cientista do sono Matthew Walker, da Universidade da Califórnia em Berkeley, resume a ideia: “As pessoas devem viver em sintonia com o seu cronótipo, e não contra ele”, pode ler-se na ZME Science.

Alterações são possíveis — como procurar luz natural pela manhã, regular horários de refeições e evitar estimulantes à tarde — mas a biologia determina limites claros. A maioria das pessoas regressa ao seu ritmo natural assim que deixa de forçar horários artificiais.

Em última análise, ser mais matutino ou mais noturno não determina a inteligência, mas pode influenciar o melhor momento do dia para cada pessoa desempenhar tarefas exigentes. Para uns, é ao amanhecer; para outros, quando a casa adormece.

A chave, dizem os especialistas, está em respeitar o próprio relógio — e não tentar viver permanentemente no de outra pessoa.

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