Numa altura em que a gripe aviária merece especial atenção por parte dos conservacionistas e das autoridades em toda a Europa, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) publica 10 perguntas e respostas sobre gripe aviária, aves selvagens e a situação em Portugal, tendo em conta a sua atividade no terreno.
Os observadores de aves e as pessoas que visitam, trabalham ou vivem perto de habitats naturais podem, de forma segura, ajudar aos esforços de contenção de surtos, reportando rapidamente situações suspeitas às autoridades competentes. A notificação célere é essencial para proteger as aves e, em última análise, também a saúde pública.
1. A situação está pior do que em anos anteriores?
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Segundo a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), os focos de infeção por vírus da gripe aviária são mais elevados do que os dos anos anteriores e por isso a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) declara “Nível sem precedentes de gripe aviária altamente patogénica em aves selvagens na Europa durante a migração de aves no outono de 2025”. Esta situação é bem clara ao serem analisados os focos ativos em território nacional, revelando um risco muito elevado de infeção a partir do contacto com aves selvagens.
A fim de salvaguardar a saúde das aves, bem como a saúde pública, o Edital n.º 38 deu continuidade à ordem de confinamento das aves domésticas em todo o território do continente e a proibição da realização de eventos de exposição e concurso de aves em cativeiro, nomeadamente aves ornamentais e exóticas, bem como a proibição de ajuntamentos de aves domésticas, em feiras e mercados, exceto aqueles que cumpram as condições de biossegurança prescritas.
2. Há motivo para preocupação?
Segundo a DGAV não há evidências epidemiológicas de que a gripe aviária possa ser transmitida aos seres humanos através do consumo de alimentos, nomeadamente de carne de aves de capoeira e ovos. Contudo, ocasionalmente, algumas estirpes de vírus da gripe aviária podem infetar outros animais, nomeadamente mamíferos, e também o ser humano. No entanto, para que tal aconteça terá que haver um contacto muito próximo entre as aves infetadas e as pessoas ou entre aves e outros animais.
As maiores preocupações relativas à gripe aviária continuam a ser o impacto económico de eventuais surtos em aves de cativeiro, e o impacto ecológico em espécies selvagens — sobretudo as que nidificam em colónias, como muitas espécies de aves marinhas e aquáticas, onde o vírus pode espalhar-se rapidamente por um grande número de aves e comprometer a população Surtos em anos consecutivos poderão agravar a situação de populações já ameaçadas. Neste contexto, os especialistas a nível europeu veêm com alguma apreensão o facto de que recentemente a gripe aviária tem sido detetada num maior número de espécies, pois isso pode aumentar o risco de transmissão a ainda mais aves (tanto selvagens como de cativeiro), dado que diferentes espécies terão diferentes comportamentos e mover-se-ão entre diferentes habitats.
3. Que espécies estão a ser mais afetadas em Portugal?
Em Portugal, as aves selvagens mais afetadas têm sido as gaivotas, com alguns casos confirmados também em aves aquáticas como garças e patos, bem como em cegonhas e alcatrazes. As aves marinhas e aquáticas são os grupos tipicamente afetados pela gripe aviária, por se concentrarem em grandes números em diversas fases do seu ciclo de vida (ex.: colónias de reprodução, dormitórios durante a invernada ou áreas de alimentação/descanso durante a migração), onde o contacto entre as aves é muito intenso.
4. Há regiões do país mais problemáticas?
Os casos em aves selvagens tendem a concentrar-se nas zonas costeiras e estuários, onde existem grandes concentrações de aves marinhas, nomeadamente gaivotas, mas podem surgir focos de gripe aviária um pouco por todo o país. A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) divulga os focos confirmados e as zonas de vigilância reforçada à medida que os casos vão surgindo.
5. É seguro passear e observar aves em estuários, zonas costeiras e zonas húmidas (onde a gripe aviária é mais provável)?
Sim, as atividades de observação de aves e passeios de natureza mantêm-se seguras para quem segue as recomendações básicas: manter distância de qualquer ave selvagem, especialmente de aves doentes ou mortas, não lhes tocar e reportar situações anómalas. As pessoas podem continuar a desfrutar da Natureza, com atenção e responsabilidade.
6. O que fazer se vir uma ave que não parece saudável?
Perante uma ave que está viva, mas com sinais de doença (movimentos descoordenados, tremores, torção do pescoço, apatia extrema), as recomendações são:
- Contactar o SEPNA/GNR: 808 200 520 (Portugal continental) / Rede SOS Vida Selvagem: 961957545 (Madeira) / Linha SOS Ambiente: 800292800 (Açores), o centro de recuperação mais próximo ou o ICNF
- Não manipular a ave e aguardar pelas equipas autorizadas para recolha e transporte
- Evitar o contacto direto com aves selvagens, especialmente aquelas encontradas moribundas ou mortas
- Se por alguma razão tiver tido algum tipo de contacto com aves suspeitas, lave muito bem as mãos
- Nunca levar aves doentes ou mortas para casa, e nunca deixar crianças ou animais de companhia aproximar-se de aves mortas ou com sintomas.
7. O que fazer se vir uma ave morta?
- Não tocar na ave, nem em penas ou dejetos.
- Nunca levar aves doentes ou mortas para casa, e nunca deixar crianças ou animais de companhia aproximar-se de aves mortas ou com sintomas.
- Anotar o local com a maior precisão possível. O registo com fotografia, localização e data ajuda muito a cruzar informação de campo e a identificar zonas onde o vírus está mais ativo.
- Reportar para:
- o SEPNA/GNR: 808 200 520 (Portugal continental) / Rede SOS Vida Selvagem: 961957545 (Madeira)/ Linha SOS Ambiente: 800292800 (Açores)
- os serviços regionais da DGAV
- o serviço veterinário municipal
- animas.icnf.pt (requer registo)
Ao reportar às autoridades competentes, permite a recolha segura da ave e análise laboratorial, sem colocar a sua saúde em risco.
8. A gripe aviária ameaça espécies de extinção?
A mortalidade causada pela gripe aviária ao longo dos últimos anos já é significativa em algumas populações de aves marinhas, como o alcatraz e o garajau-de-bico-preto. Ao somar-se aos impactos de outras ameaças como a sobrepesca, as capturas acidentais e a poluição por plásticos, dificulta ainda mais a situação das aves marinhas, que já são um dos grupos animais mais ameaçados do mundo. As aves marinhas demoram vários anos a atingir a maturidade sexual, e têm geralmente poucas crias por ano, portanto uma colónia pode levar largos anos a recuperar de um surto que dizime os adultos reprodutores. A monitorização feita pela SPEA e parceiros nacionais e internacionais, em coordenação com as autoridades, é essencial para perceber a dimensão real deste impacto.
9. Qual a relação entre gripe aviária e alterações climáticas?
Há cada vez mais evidências de que alterações nos padrões de migração de aves selvagens em consequência das alterações climáticas, a concentração de aves em locais com forte pressão humana e as mudanças nos ecossistemas podem facilitar a circulação de vírus como os da gripe aviária. Não é um único fator; é a combinação entre clima, uso do solo, intensificação da produção e movimentos de animais. Assim, é fundamental uma abordagem integrada não só na monitorização e alerta em casos suspeitos, mas também no ordenamento do território e no reconhecimento de que ecossistemas naturais saudáveis contribuem para a proteção da saúde pública.
10. Qual o papel da SPEA nestas situações?
A SPEA não é autoridade competente para a recolha, análise e tratamento de aves, nem para a determinação de medidas de controlo. No entanto, e dado que estão no terreno a proteger e acompanhar as populações de aves selvagens, as equipas da SPEA e os seus parceiros e voluntários estão sempre alerta para situações como a gripe aviária. Quando, no decurso dos seus trabalhos, as equipas SPEA detetam aves com suspeita de gripe aviária, os técnicos da SPEA reportam às autoridades competentes, seguindo os procedimentos aconselhados a todos os cidadãos.
Ao monitorizar regularmente as populações de aves selvagens, a SPEA recolhe dados importantes para aferir o impacto de eventuais surtos nas diferentes espécies, permitindo, juntamente com parceiros nacionais e internacionais, identificar tendências populacionais e assim avaliar o grau de ameaça para a sobrevivência das espécies. Paralelamente, a SPEA procura sempre manter informadas as pessoas em geral e os amantes de natureza em particular, de forma clara e baseada na ciência.
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