Portugal

 Mia Couto lamenta “uma certa desistência” de se contar histórias a crianças 

Notícias de Coimbra | 35 minutos atrás em 16-11-2025

O escritor moçambicano Mia Couto, que tem um novo livro para a infância, lamenta ter havido “uma certa desistência” dos adultos em lerem e contarem histórias às crianças, perdendo espaço para os ecrãs e os telemóveis.

Em entrevista à agência Lusa, a propósito da edição do livro ilustrado “As Sementes do Céu”, Mia Couto sublinhou a importância do ato de narrar e ler histórias aos mais novos, como forma de criar vínculos e dar sentido ao que os rodeia.

“A grande ameaça de que hoje todos falamos, que é a ocupação do espaço das máquinas, dos ecrãs, dos telemóveis, resulta de uma certa desistência desse momento em que se criam vínculos com as crianças, vínculos que são imaginários, mas que formam o mundo que faz sentido e se constrói na infância”, disse.

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Para Mia Couto, premiado romancista e poeta, “ou se constrói [esse mundo] na infância ou nunca mais se constrói”. “Ficamos dependentes do que nos vendem já empacotado”.

O livro “As Sementes do Céu”, ilustrado por Susa Monteiro, que é publicado na terça-feira em Portugal, é narrado por um rapaz, que conta a história do avô carpinteiro, para quem “toda a madeira está viva, nenhuma tábua deixou de ser árvore”.

No conto, o rapaz revela que um dia o avô, com as mãos cheias de sementes, decidiu subir a uma montanha, onde tinham sido cortadas todas as árvores. Foi também o avô que, convocando os seus antepassados, fez com que todas as cadeiras, mesas, portas, janelas de madeira do mundo voassem para as florestas onde foram cortadas as árvores.

“Queria recuperar uma coisa que hoje se está a perder que é a relação geracional entre um avô e um menino que habitam um mesmo espaço”, disse o escritor que, mesmo não tendo conhecido nenhum dos avós, eles não deixaram de estar presentes na infância por via das histórias contadas pela mãe.

“A minha mãe resolveu, com uma inteligência muito subtil, essa perceção de que a ausência não seria penosa”, explicou.

Em “As Sementes do Céu”, Mia Couto não faz distinção na prosa poética para adultos ou crianças. No entanto, reconhece que é muito mais difícil escrever para os mais novos, por terem “uma perceção muito mais apurada do que parece” em relação à linguagem poética.

“Os encontros que tenho nas escolas com as crianças são muito mais difíceis e desafiadores. Há ali uma espontaneidade, um desejo de verdade que para um escritor é muito difícil depois de se confrontar, porque a gente anula o nosso lado infantil. Desaprendemos a falar com crianças, temos receio de nos olharmos assim com várias idades”, disse.

“As Sementes do Céu” inclui ainda uma mensagem ecologista e de defesa da natureza.

“O que está nesta história é que a floresta, a natureza ela própria, salva-se por si mesma e não precisa de nós para ser salva. E há esta ideia de viagem de retorno das árvores para o seu lugar original”, explicou.

Formado em Biologia, Mia Couto recorda os anos em que deu aulas de Ecologia na Faculdade de Arquitetura em Moçambique – país onde nasceu, vive e trabalha -, levando aos alunos “sementes, flores e frutos para mostrar que a natureza era grande”.

A intenção era ajudar os alunos a terem “outra a relação com a natureza e com as construções naturais”, a “torná-los aptos para terem uma relação de aprendizagem permanente com as árvores”.

Mia Couto, o mais célebre dos autores da literatura moçambicana, que completou 70 anos em julho passado, dedica-se sobretudo à escrita e ao trabalho de divulgação que lhe está associado. “Quero distribuir-me por várias coisas. A escrita tem momentos de solidão que não aprecio tanto”, disse.

“As Sementes do Céu”, uma edição da Caminho, que terá publicação garantida também em Moçambique, será apresentado por Mia Couto e pela ilustradora Susa Monteiro no dia 25, no Palácio Galveias, em Lisboa, numa conversa com o economista António Bagão Félix, estudioso de botânica e agronomia.

No percurso literário de Mia Couto, “As Sementes do Céu” junta-se a outros livros dirigidos aos mais novos, como “O Gato e o Escuro”, “O Beijo da Palavrinha” e “A Águia e a Água”, todos com ilustração de Danuta Wojciechowska.

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