Um casal começou hoje a ser julgado em Leiria acusado de tráfico de pessoas e falsificação de documento, num alegado caso em que uma mulher foi barriga de aluguer e teve um bebé em Portugal registado falsamente.
No julgamento, sem a presença da mulher, cujo processo foi separado, o casal ficou em silêncio.
Um dos inspetores da Unidade Nacional Contraterrorismo da Polícia Judiciária testemunhou que as autoridades portuguesas foram informadas através de uma mensagem da Polícia Federal brasileira de que uma cidadã daquele país “se iria deslocar a Portugal para fazer o parto de uma criança e que havia a suspeita que a criança seria entregue a alguém”.
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“Haveria um suposto negócio”, acrescentou o inspetor.
Na posse da identificação da mulher brasileira e do cidadão português que “tinha assumido a responsabilidade de receber a senhora”, os inspetores deslocaram-se ao distrito de Leiria para falar com o homem, arguido no processo, para perceber se o documento que assinou “era meramente para facilitar a vinda da senhora”.
Entretanto, a cidadã deu à luz no hospital de Leiria e o bebé foi registado pela mãe e por um dos arguidos, que assumiu não ser o pai biológico, afirmou o inspetor.
No despacho de acusação, lê-se que um dos arguidos, de 51 anos, “planeando ser pai de um bebé do sexo masculino, manteve conversações com várias mulheres grávidas” brasileiras em grupos no Facebook, Telegram e WhatsApp.
Nas conversas, o arguido “explicava o que era necessário para tais mulheres virem para Portugal”, onde o parto seria realizado, para que “passasse a constar como pai de um menino e pudesse viver com um bebé como se de pai e filho se tratassem”.
De acordo com o Ministério Público (MP), o arguido contava com a ajuda de uma amiga residente no Brasil, que “auxiliava tais mulheres de acordo com as indicações” daquele, sobretudo a nível financeiro.
Num desses grupos, com o nome “barrigas de aluguer”, o arguido, no primeiro trimestre de 2022, conheceu uma mulher grávida com quem passou a manter conversas pelo WhatsApp e ambos “planearam a viagem desta para Portugal”, para que o bebé aqui nascesse e onde passaria a viver com o arguido e o companheiro deste.
Para tal, o arguido, “muitas vezes através de transferências bancárias da conta da amiga”, pagou todas as despesas da grávida, incluindo “o passaporte e as viagens para outras cidades, para conseguir rapidamente o passaporte e a entrevista, necessários para a vinda a Portugal”.
Em junho de 2022, a mulher, grávida de cerca de 35 semanas, viajou para Portugal, onde ficou hospedada na casa do casal.
Com a chegada da mulher, o arguido fez “o pedido do certificado de direito à assistência médica”, no âmbito de um acordo entre os dois países, “para que cidadãos brasileiros possam ser atendidos no Serviço Nacional de Saúde”.
Segundo o MP, o bebé nasceu em julho, no hospital de Leiria, e o arguido registou a criança no registo civil como seu filho, “passando a constar do assento de nascimento o nome do pai” e “o nome dos avós paternos”.
O recém-nascido foi depois acolhido numa casa de acolhimento temporário, no âmbito de um processo judicial de promoção e proteção de menores.
Foram pagas à arguida “todas as suas despesas médicas e hospitalares com a gravidez e com o parto, bem como a viagem de ida e volta do Brasil para Lisboa e respetiva documentação da mesma e a estadia e alimentação em Portugal durante cerca de dois meses”.
Nesta sessão, o advogado Adelino Granja, defensor de um dos arguidos, insistiu na nulidade da acusação, ao considerar que é de “manifesta relevância a participação da arguida para a descoberta da verdade”.
No entanto, o tribunal coletivo entendeu que a mulher e uma amiga, que era testemunha neste processo, são arguidas num processo conexo no Brasil, pelo que estão impedidas de testemunhar.
As alegações finais ficaram agendadas para o dia 14 janeiro, às 14:00.
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