Proteínas minúsculas produzidas a partir de anticorpos de animais como camelos e lamas estão a revelar-se promissoras na luta contra doenças cerebrais complexas, como Alzheimer e esquizofrenia.
Os chamados nanocorpos conseguem penetrar em espaços celulares inacessíveis a anticorpos convencionais, oferecendo uma nova abordagem para terapias biológicas direcionadas ao cérebro.
Um estudo conduzido por cientistas do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França explica os progressos até agora e aponta para um futuro potencialmente revolucionário na terapêutica cerebral. Apesar de existirem já quatro terapias com nanocorpos aprovadas para tratar outras partes do corpo, o pequeno tamanho destas proteínas torna-as particularmente adequadas para atingir o cérebro com menos efeitos secundários.
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Os nanocorpos são versões simplificadas de anticorpos, proteínas que o sistema imunológico utiliza para identificar e neutralizar vírus, toxinas e outros agentes indesejados. A estrutura reduzida e discreta dos nanocorpos permite-lhes infiltrar-se entre as defesas de um vírus e neutralizar as suas partes mais perigosas.
Membros da família dos camelídeos — incluindo camelos, lamas e alpacas — produzem naturalmente anticorpos menores do que os humanos. Em laboratório, estes anticorpos foram refinados, tornando-os cerca de dez vezes mais pequenos do que os anticorpos humanos comuns (Imunoglobulina G). Estudos anteriores mostraram que nanocorpos derivados destes animais já protegem humanos contra a gripe A e B, norovírus, COVID-19 e até HIV.
Até recentemente, acreditava-se que os nanocorpos não poderiam ser utilizados em doenças cerebrais, uma vez que os rins humanos eliminam estas proteínas rapidamente e a barreira hematoencefálica dificultava a sua passagem. No entanto, experiências em modelos animais demonstraram que nanocorpos projetados podem atravessar esta barreira e atacar diretamente marcadores da doença de Alzheimer, como a proteína tau e a beta-amiloide.
“Os nanocorpos de camelídeos abrem uma nova era de terapias biológicas para distúrbios cerebrais e revolucionam a nossa forma de pensar sobre terapêutica”, afirma Philippe Rondard, neurofarmacologista do CNRS. “Acreditamos que podem constituir uma nova classe de medicamentos, entre os anticorpos convencionais e as pequenas moléculas.”
Ainda assim, antes que possam ser aplicados em humanos, os cientistas precisam de garantir a sua estabilidade, correto dobramento e ausência de agregação, além de compreender melhor como atravessam a barreira hematoencefálica e quanto tempo permanecem no cérebro. Formulações estáveis, adequadas para armazenamento e transporte, também serão essenciais para uso clínico.
“Já começámos a estudar estes parâmetros e demonstrámos recentemente que os nanocorpos podem ser compatíveis com tratamentos crónicos”, acrescenta o geneticista funcional Pierre-André Lafon.
Apesar de ainda faltar muito caminho para aplicações clínicas em humanos, estes nanocorpos poderão, no futuro, desempenhar um papel vital na proteção do cérebro — quem sabe, um dia poderemos agradecer aos camelos por guardarem as nossas memórias.
A pesquisa foi publicada na revista Trends in Pharmacological Sciences.
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