A jurisdição administrativa e fiscal diz estar “o caos instalado” com o novo sistema informático dos magistrados, com processos, incluindo urgentes, perdidos informaticamente e outros encaminhados para os juízes errados, acessos indevidamente retirados e julgamentos adiados.
A pedido do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) decorre na quarta-feira de manhã uma reunião de urgência com a secretária de Estado da Justiça, Ana Luísa Machado, que até ser chamada a integrar o novo Governo, presidia ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), tutelado pelo Ministério da Justiça e responsável pelos sistemas informáticos dos tribunais.
Na reunião de quarta-feira, onde vão comparecer os presidentes dos tribunais administrativos e fiscais de primeira e segunda instância, o CSTAF vai exigir a resolução total do problema até à próxima semana, ou, caso isso não aconteça, a suspensão imediata do processo de migração do sistema informático, a reativação do anterior sistema da jurisdição, “o velho SITAF”, e um avanço gradual no processo de migração, com a criação de um projeto-piloto com apenas um tribunal.
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Os problemas são transversais às magistraturas do Ministério Público e judicial na área administrativa e fiscal, queixando-se ambas de dificuldades e constrangimentos que impedem o normal funcionamento dos tribunais e a tramitação de processos em cumprimento da nova lei, desde que no dia 20 deste mês foi desligado o anterior sistema informático.
Desde dia 20 que os tribunais passaram a ter um sistema informático único para tramitação processual, tendo o IGFEJ procedido à migração do anterior sistema da jurisdição administrativa e fiscal, o SITAF, para o Citius.
Apesar da migração para o sistema único, o acesso é feito por interfaces distintos, consoante a condição processual do utilizador, com os procuradores do Ministério Público a utilizarem o MPCODEX, e os juízes a usarem o MAGISTRATUS.
Em ambos os casos, nada está a funcionar como devia, garantiram à Lusa a procuradora do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e tesoureira da direção nacional do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) Susana Moura, e a juíza secretária do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), a desembargadora Eliana de Almeida Pinto.
Processos perdidos no processo de migração, e a ser recuperados lentamente desde há uma semana, perda de acesso a consulta de processos próprios e de colegas, advogados excluídos de processos, impossibilidade de introdução de peças processuais no sistema, pedidos aos advogados para que submetam processos em papel nas secretarias dos tribunais, contrariando o que determina a lei, perda de ferramentas informáticas no novo sistema essenciais para o exercício de funções são alguns exemplos do novo dia a dia nesta jurisdição desde a migração de sistemas.
“Está o caos instalado. Não temos segurança no que estamos a fazer”, disse à Lusa a procuradora Susana Moura, que critica a falta de resposta do IGFEJ e o processo de reporte falha a falha sem que nada efetivamente se resolva.
Eliana Pinto, por seu lado, disse que o CSTAF em abril, quando a migração foi comunicada, “decidiu diligentemente montar uma ‘taskforce’ para acompanhar o processo” junto do IGFEJ, tendo decorrido várias reuniões e sido feitos testes, que aparentemente não mostraram falhas na migração, mas que se vieram a verificar.
“Aparentemente estava tudo salvaguardado, chamámos a atenção que havia procedimentos específicos da jurisdição que tinham que ser acautelados no novo sistema informático. Está instalado o caos absoluto na jurisdição. Há processos que desapareceram, há processos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que foram parar a tribunais de primeira instância”, disse a juíza desembargadora.
Segundo Eliana Pinto o Tribunal Central Administrativo Sul já comunicou que há sessões de julgamento agendadas para quinta-feira que não vão realizar-se devido aos constrangimentos que se verificam.
A responsável do CSTAF apontou ainda que os milhares de processos relativos à regularização de migrantes em Portugal, os chamados processos AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo) aparecem no sistema atribuídos à secção errada, o que se não for corrigido informaticamente pode implicar que os juízes dessa secção tenham que produzir um despacho para cada um deles a remetê-los à secção e juiz corretos.
“São 140 mil despachos, isso é impraticável”, disse Eliana Pinto.
Denunciou ainda a situação de “pés e mãos atadas” em que o CSTAF se encontra para cumprir a sua missão de fiscalização e acompanhamento da atividade dos tribunais da sua jurisdição, porque não tem acesso ao sistema, estando impedido.
Lembrando que o Estado é réu nos processos da área administrativa e fiscal, Eliana Pinto apontou que há um órgão constitucional, o CSTAF, impedido de realizar a sua missão, por falha informática de um organismo tutelado pelo Ministério da Justiça, ou seja, pelo poder executivo, pondo em causa a separação de poderes consagrada na Constituição.
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