Universidade
Estudo de Coimbra revela que o cérebro cria “mapas” para organizar informação sobre objetos utilizados no dia a dia

O cérebro é um dos órgãos mais misteriosos do corpo humano, permanecendo ainda sem respostas várias questões, nomeadamente sobre a forma como este organiza informação importante para o nosso quotidiano. Agora, um novo estudo, coordenado pela Universidade de Coimbra (UC), revela novos dados sobre a organização cerebral de objetos que manipulamos diariamente.
O cérebro humano organiza a informação em mapas topográficos contínuos, fornecendo, assim, leituras fáceis de uma região cerebral para outra, promovendo, desta forma, eficiência cognitiva.
Neste novo estudo – desenvolvido no âmbito do projeto ContentMap, liderado pela UC e financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em inglês), publicado na revista científica NeuroImage – é introduzido o conceito de mapas conteudotópicos, mapas cerebrais que demonstram como diferentes categorias de informação são organizadas espacialmente no cérebro.
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Estes mapas “revelam de que forma o cérebro codifica espacialmente informação – por exemplo, a forma como agarramos e manipulamos ferramentas – e organiza o conhecimento sobre objetos em padrões contínuos, semelhantes a mapas geográficos, ao longo do córtex cerebral”, revela o coordenador da investigação, Jorge Almeida.
O neurocientista clarifica que descobriram que “a informação relacionada com objetos não está distribuída aleatoriamente; pelo contrário, está organizada em mapas estruturados – os referidos mapas conteudotópicos – onde regiões vizinhas do córtex representam objetos com propriedades semelhantes”. “À medida que nos deslocamos pela superfície cerebral, podemos observar uma transição suave e contínua na forma como diferentes aspetos destas propriedades dos objetos são representados”, acrescenta o docente e investigador da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UC (FPCEUC) e do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC), que coordena também o Proaction Lab.
Esta descoberta foi espoletada por uma questão: como é que o nosso cérebro sabe que uma caneca é usada para beber, que um martelo serve para martelar e que uma chave encaixa numa fechadura? Embora pareça um processo aparentemente simples, a verdade é que o nosso cérebro precisa de
processar diferentes informações: o formato do objeto, o material do objeto e a função do objeto, por exemplo.
Para desvendar este processo, a equipa de investigação usou ressonância magnética funcional (fMRI), uma técnica que permite a recolha de imagens do cérebro com precisão, procurando “perceber como é que o cérebro dos participantes neste estudo processava uma sequência de objetos manipuláveis, apresentados visualmente e ordenados segundo dimensões definidas em estudos anteriores que a nossa equipa realizou”, contextualiza o neurocientista. Depois desta etapa, a equipa de investigação utilizou técnicas de análise de dados avançadas para detetar como a atividade cerebral mudou sistematicamente com diferentes níveis destas dimensões relacionadas com os objetos.
Este trabalho com os participantes conseguiu demonstrar que “os mapas conteudotópicos são contínuos, sendo consistentes entre participantes, uma vez que os mapas de um indivíduo podem ser previstos a partir dos mapas de outros”, destaca Jorge Almeida. Estes mapas “são independentes para cada dimensão, o que significa há mapas distintos para diferentes propriedades de objetos; e são também independentes de características sensoriais simples, já que mapas puramente sensoriais não conseguem explicar completamente estes mapas relativos aos objetos que utilizamos”, partilha ainda o neurocientista.
Isto revela que “o cérebro prefere organizar a informação de forma a aumentar a eficiência neural”, diz Jorge Almeida. “Tal como os mapas geográficos transmitem de forma eficiente informação complexa sobre o ambiente, estes mapas topográficos do cérebro fornecem leituras rápidas e eficazes do processamento de informação em cada área cerebral,” acrescenta.
Jorge Almeida sublinha ainda a relevância destes mapas para a flexibilidade cognitiva, uma vez que “permitem ao cérebro distinguir entre objetos enquanto generaliza para objetos semelhantes – uma característica fundamental da inteligência humana”.
Para o neurocientista, que há quase duas décadas se dedica ao estudo do cérebro, “estes resultados lançam nova luz sobre como a arquitetura interna do cérebro transforma a nossa experiência em conhecimento, revelando que os mesmos princípios de mapeamento que moldam a forma como vemos o mundo também podem sustentar a forma como o compreendemos”.
Jorge Almeida sublinha ainda a importância das descobertas feitas pela ciência fundamental para o avanço do conhecimento: “sem ciência fundamental, não é possível avançar para a ciência aplicável; precisamos de saber primeiro como funciona o cérebro antes de avançarmos para qualquer abordagem terapêutica”.
Este estudo contou ainda com a colaboração de outros cientistas da Universidade de Coimbra e da Universidade de Glasgow.
O artigo científico Contentopic mapping in ventral and dorsal association cortex: the topographical organization of manipulable object informations (Mapeamento de conteúdos no córtex de associação ventral e dorsal: a organização topográfica da informação sobre objetos manipuláveis, em português) está disponível aqui.
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