Opinião

Precisamos do Paraíso

OPINIÃO | Angel Machado | 7 horas atrás em 20-10-2025

Todos pareciam presos a uma identidade — santos. Contemplavam a vida, riam sem motivo, dançavam porque sim. Angariavam donativos para os menos favorecidos e, ao cair da tarde, sentiam-se magnânimos, como se o simples gesto de dar os absolvesse das pequenas vaidades do dia. Os “santos” viviam entre nós como pessoas comuns, e sabiam, com uma serenidade antiga, que a santidade nada tinha a ver com religião.

A ideia humana de paraíso é, talvez, o nosso maior engano: um lugar sem dor, sem consternação, onde tudo repousa e nada nos falta. Sabemos, no entanto, que esse sítio, se existir, será para poucos, a melhor das hipóteses. Ainda assim, depois de certos acontecimentos, atrevo-me a pensar que andamos mais perto do paraíso em terra.

As promessas cumprem-se a curto prazo, e a nossa fé, sempre ansiosa, entusiasma-se com o vislumbre de um futuro pragmático. Mas haverá quem lamente não ter lugar nesse paraíso, como se o acesso lhe tivesse sido negado por vontade alheia.

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Talvez precisemos, de facto, de erguer os nossos próprios espaços de contemplação. Enquanto o mundo desaba em ruído e pressa, a verdadeira fuga será sonhar uma vida sem ostentação nem dogmas. E, quando o cansaço nos visitar, que exista um recanto onde possamos abrigar as dores longe dos que perturbam a nossa frágil sanidade.

Nessa noite sonhei que estava presa a uma cama, rodeada de santos que cantavam pela salvação da minha alma. Senti-me impotente — os braços e as pernas amarrados —, mas o pensamento, esse, era livre. Livre e distante daquele ritual de passagem.

Acordei com a estranha sensação de respirar na presença de algo divino. Uma criatura feita de luz e falha, que me aceitava tal como sou, comum, contraditória e inconstante.
E percebi, nesse instante, que talvez não seja digna do paraíso. Ou talvez o paraíso seja apenas isto: uma metáfora da prisão concebida em liberdade, desses dias embrulhados em progresso, onde continuamos a procurar, entre o céu e a terra, o lugar onde repousa uma vida sem alma. Há memória de um tempo comum que funde o passado, o presente com o futuro. Gosto de dizer o que uma obra causa em mim.

OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA

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