Opinião

Políticos como máquinas de refrigerantes

OPINIÃO | Angel Machado | 4 minutos atrás em 04-10-2025

Estou feliz com a vida que levo, talvez porque descobri um truque simples: parei de reclamar. Antes, eu era praticamente um livro de reclamações ambulante. Hoje, sinto-me quase uma cidadã modelo — voluntária, participativa e, pasme-se, otimista.

Curioso é que, quando o assunto é sério, nunca sabemos bem por onde começar. Eu, por exemplo, carrego na testa um selo invisível: “estrangeira no estrangeiro”. Não há pó de arroz que disfarce. No entanto, aceito essa condição como quem aceita uma cláusula obrigatória num contrato que não leu até ao fim.

Na infância, passeava de mãos dadas com os meus pais. Eles sabiam sempre para onde me levar. Um dia, fomos abordados por um senhor distinto que se dizia candidato a algum cargo político. Falava bem, tinha boas ideias e — acredite-se — até parecia gostar de crianças.

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Na altura, limitei-me a perguntar: — Ele vai ganhar?

“Desta vez não, minha filha”, respondeu o meu pai.

Achei interessante: se não fosse ele, seria outro. E desde cedo percebi a mecânica do jogo. Os políticos funcionam como aquela máquina de refrigerantes: você coloca a moeda, aperta o botão e, quando cai alguma coisa, nunca é exatamente o que estava no cartaz.

O que mais me impressiona é a liberdade que conquistam depois de eleitos: já não precisam de cumprir nada. Até lá, falam de tudo, prometem mundos e fundos. O curioso é que, no fim, concluímos sempre o mesmo — a cidade está por fazer. Está sempre “em construção”, como uma obra interminável que serve de desculpa para tudo.

Eu não me deixo enganar facilmente. Um currículo basta-me para perceber se alguém tem condições de assumir o cargo. Mas ainda assim imagino: o que poderá realmente fazer uma pessoa quando chega ao poder? Às vezes, absolutamente nada. E o nada, quando bem disfarçado, até parece normal. Porque, no fundo, incumprimento político não é escândalo — é rotina.

O mais difícil, talvez, seja o espetáculo do ano eleitoral. Ruas cheias de candidatos sorridentes, a saltar de autocarro em autocarro, a abraçar pobres e ricos com a mesma pose ensaiada. O gesto é sempre democrático: distribuem abraços como quem distribui santinhos. E nós, pacientemente, assistimos ao desfile. Chamam-lhe democracia; eu, com a devida licença poética, chamo-lhe teatro de rua.

OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA

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