“O labirinto da saudade” é um notável ensaio do filósofo Eduardo Lourenço. O labirinto que não deixa saudade é o da rotina dos munícipes de Coimbra a lidarem com os serviços do urbanismo.
Se dúvidas houvesse, bastaria meditar sobre palavras acabadas de proferir pelo governante Miguel Pinto Luz.
Eis um excerto de uma recente declaração do ministro: o Governo vai mexer no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) para reduzir prazos, simplificar processos, combater uma burocracia e um poder discricionário que tem de deixar de existir.
PUBLICIDADE
“O Estado, em qualquer dos seus níveis, é uma pessoa de bem, (…) não pode ter um poder discricionário e quem interage com ele não pode estar a depender do poder discricionário do agente do Estado”, alegou o governante em alusão a “prazos indefinidos”.
Que o diga o empresário conimbricense Paulo Mendes, gerente da sociedade Coimfor (https://www.noticiasdecoimbra.pt/autor-de-reparos-a-cmc-e-simpatizante-do-centro-direita-mas-sofre-canelada/).
Divulgadas notícias com dois pontos de vista – o do munícipe e empresário e o da Câmara, este veiculado por uma adjunta do presidente José Manuel Silva, Ana Morais, que até exerceu direito de resposta -, restava ao jornalista opinar.
Por motivo de economia de espaço, vou debruçar-me, principalmente, sobre um parágrafo da autoria de Conceição Pinheiro, uma antiga chefe de divisão de urbanismo da Câmara Municipal de Coimbra.
Num ofício enviado a Paulo Mendes, em meados de Fevereiro de 2022, a então chefe de divisão notificou-o no sentido de “requerer, em simultâneo, autorização de utilização e emissão do respectivo título”.
Para me ajudarem a descodificar, recorri a dois engenheiros civis e a um jurista.
Habituado a lidar com a CMC para tratar de assuntos de munícipes, José Mendes esclareceu-me que, “se a autarquia instruiu Paulo Mendes a requerer a emissão do título (licença de utilização), o procedimento estaria concluído”.
À luz da sua experiência, José Mendes adverte que a CMC “altera a instrução dos processos aleatoriamente, alega erro nos prefixos dos ficheiros, etc”.
Outro engenheiro e um advogado, estes sob anonimato, também me facultaram esclarecimentos.
Para o outro engenheiro civil, o teor do parágrafo da autoria de Conceição Pinheiro remetia para uma eventual resposta negativa a dar ao requerente. “A CMC antecipou-se ao cenário de a coisa correr mal”, comenta o engenheiro.
O jurista entende que o teor do parágrafo da antiga chefe de divisão camarária “poderá fazer sentido apesar de parecer estranho”.
É pouco frequente, comento eu, a inexistência da estranheza na tramitação de processos de urbanismo por parte da CMC, embora o presidente cessante alegue que, nos últimos quatro anos, o paraíso se instalou na praça de 08 de Maio.
Acresce que a labiríntica tramitação foi robustecida com outra comunicação de Conceição Pinheiro, esta datada de 08 de Junho de 2022.
Ao invocar um despacho da vereadora Ana Bastos, a outrora chefe de divisão acenou com o respaldo do RJUE para solicitar a Paulo Mendes que, no prazo de 15 dias, fizesse “o aperfeiçoamento” do pedido por ele entregue.
Para o empresário – que, durante anos, fez diligências para obter da CMC autorização de utilização das instalações da Coimfor -, aquilo que tem acontecido, no passado recente, é consequência da sua ida, enquanto munícipe, a uma reunião pública da autarquia. “Retaliação pura”, alega.
“É com profunda mágoa que, volvidos quatro anos, não vejo fim à vista para um assunto que estava finalizado” antes de José Manuel Silva haver sido empossado, acentua o gerente.
Neste contexto, Paulo Mendes desabafa que, apesar de “mais quatro anos, continuamos com um concelho em que quem manda e dirige não é o presidente da Câmara, mas (…) a camada intermédia entre o poder executivo e os cidadãos”.
OPINIÃO | RUI AVELAR – JORNALISTA
PUBLICIDADE