Durante um passeio de carro por New Hampshire, Chenyang “Leo” Lin, doutorando em neurociência na Universidade de Boston, notou esquilos a correr entre as árvores. Um momento aparentemente banal que ficou gravado na sua memória e que despertou a sua curiosidade: por que certas cenas simples se tornam inesquecíveis?
Esta reflexão levou Lin e a sua equipa a desenvolver um estudo inovador, publicado esta semana na Science Advances, que explica como o cérebro decide o que lembrar e o que esquecer.
“A memória não é apenas um dispositivo de registo passivo: o nosso cérebro decide o que importa, e eventos emocionais podem retroceder no tempo para estabilizar memórias frágeis”, afirmou Robert MG Reinhart, professor associado de ciências psicológicas e cerebrais da Universidade de Boston.
PUBLICIDADE
O estudo envolveu dez experiências com 648 participantes, que foram expostos a imagens de animais e objetos, seguidas de estímulos emocionalmente fortes, como recompensas em dinheiro ou pequenos choques elétricos. No dia seguinte, os participantes fizeram testes surpresa de memória.
Os investigadores descobriram que eventos emocionalmente marcantes melhoram a memória de acontecimentos subsequentes, especialmente se estes forem neutros — fenómeno conhecido como aprimoramento proativo da memória (APM).
Quando se trata de fortalecer memórias anteriores — o chamado aprimoramento retroativo da memória (RME) — o cérebro funciona de forma seletiva: apenas reforça memórias anteriores que partilhem semelhanças conceptuais com o evento emocional. Por exemplo, ver um bisão numa trilha pode reforçar a memória de um coelho avistado pouco antes, desde que o cérebro os reconheça como animais semelhantes.
“Pela primeira vez, mostramos evidências claras de que o cérebro resgata memórias fracas de forma gradual, guiado pela sua alta similaridade com eventos emocionais”, explicou.
O estudo sugere ainda que imagens de animais, emocionalmente mais evocativas mas de memórias mais fracas, beneficiam mais deste mecanismo do que imagens de objetos, que já são memórias mais fortes.
Os investigadores acreditam que estas descobertas têm aplicações práticas, nomeadamente em educação e saúde. “Na educação, combinar material emocionalmente envolvente com conceitos frágeis pode melhorar a retenção. Em contextos clínicos, poderíamos resgatar memórias esquecidas, como no envelhecimento, ou controlar memórias traumáticas”, exemplificou Reinhart.
Apesar das limitações do estudo — realizado em laboratório com imagens simples —, este trabalho oferece uma nova compreensão sobre como o cérebro decide o que lembrar, revelando que eventos emocionais e similaridades conceptuais desempenham um papel crucial na formação de memórias duradouras.
PUBLICIDADE