Ryan Decembrino tinha apenas 29 anos quando os médicos descobriram um tumor no seu cólon. Dois anos antes, uma colonoscopia tinha detetado uma dúzia de pólipos, mas, sem histórico familiar de cancro, os médicos aconselharam-no a esperar três anos para o próximo acompanhamento. Esse conselho quase lhe custou a vida.
“Se tivesse esperado pelos três anos de acompanhamento, não estaria cá hoje”, disse Decembrino ao Science News. Hoje livre da doença após cirurgia e quimioterapia, tornou-se um defensor da consciencialização sobre o cancro. “Temos de divulgar a informação. O cancro pode acontecer a qualquer pessoa.”
A história de Decembrino integra uma tendência preocupante: o aumento de casos de cancro em pessoas jovens. Tradicionalmente, considera-se o cancro uma doença de pessoas mais velhas — 88% dos casos nos EUA ocorrem em indivíduos com mais de 50 anos. No entanto, desde a década de 1990, os casos de cancro precoce — diagnosticados antes dos 50 anos — têm aumentado em todo o mundo.
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O fenómeno chamou especial atenção em 2020, com a morte do ator Chadwick Boseman, estrela da saga Pantera Negra, vítima de cancro colorretal aos 43 anos. Para muitos, Boseman representava saúde e vitalidade, tornando o diagnóstico e a morte ainda mais chocantes.
Segundo Yin Cao, do Centro de Cancro Siteman, nos EUA, “o cancro colorretal precoce está a tornar-se a principal causa de mortes por cancro entre jovens adultos”. Entre 1990 e 2019, a incidência global de cancros precoces aumentou 79%, enquanto as mortes subiram 28%. Pessoas nascidas após 1990 enfrentam risco crescente de pelo menos 17 tipos diferentes de cancro, com maior incidência no intestino delgado e no pâncreas.
“Quem nasceu depois da década de 1980 tem quatro vezes mais probabilidade de ser diagnosticado com cancro retal do que alguém nascido por volta de 1950”, explica Hyuna Sung, epidemiologista da Sociedade Americana do Cancro. Se as tendências atuais persistirem, até 2030 os casos de cancro precoce poderão subir 31% a nível mundial, com aumento de 21% nas mortes.
Apesar de campanhas de rastreio, o aumento não se explica apenas pela deteção mais frequente. Investigadores apontam para uma combinação de fatores ambientais e alterações no estilo de vida, incluindo:
- Dieta e obesidade: o consumo crescente de alimentos processados, açúcar e carne vermelha está associado a maior risco, embora não seja a única causa.
- Produtos químicos e plásticos: microplásticos e compostos PFAS têm sido detetados em tecidos humanos e podem contribuir para o risco.
- Alterações no microbioma intestinal: toxinas produzidas por certas bactérias, como a colibactina da E. coli, estão ligadas a mutações associadas a cancros precoces.
Erros de diagnóstico são comuns entre jovens. Uma investigação nos EUA revelou que 54% das pessoas com cancro colorretal precoce foram inicialmente diagnosticadas com outras condições, como hemorroidas, e mais de um terço consultou três ou mais médicos antes da deteção correta.
Alguns especialistas sugerem que os tumores precoces podem crescer mais rapidamente do que os típicos, tornando os programas de rastreio atuais potencialmente insuficientes.
Apesar das estatísticas alarmantes, existem medidas preventivas eficazes: vacinação contra HPV e hepatite B, alimentação saudável, prática regular de exercício e moderação no consumo de álcool e tabaco. A consciencialização individual é igualmente crucial: sintomas ou alterações inexplicáveis devem ser avaliados por um médico sem esperar.
Campanhas de advocacy têm mostrado impacto. Após Ryan Reynolds promover a colonoscopia, as consultas aumentaram 36% em três semanas, segundo a Zocdoc. A sensibilização entre os profissionais de saúde também tem vindo a crescer.
“O cancro é uma droga”, afirma Decembrino. “O que me salvou foram as pessoas à minha volta. A mensagem é clara: não presuma que é jovem demais para ter cancro e não adie a sua avaliação médica.”
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