Viver não é seguir a lei de Darwin e adaptar-nos ao absurdo. “Tarefa simples é cozinhar”, dizia minha avó, embora para isso fosse preciso ter algo para cozinhar. O pessimismo, muitas vezes, revela-se contraproducente. Ontem, a vida pareceu menos banal ao observar as advertências sobre os malefícios do tabaco impressas nas embalagens — e, ainda assim, os fumadores ignoram-nas.
“A tolerância ilimitada conduz à extinção da tolerância.” Esta frase é do filósofo austro-britânico Karl Popper, pai do chamado “paradoxo da tolerância”, que se debruçou sobre a exaustão deste tema tão relevante nas relações humanas. Nascido no início do século XX, defendia que “devíamos, portanto, reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes”.
Os aspectos positivos da tolerância manifestam-se a longo prazo. Para John Locke, tolerância significa “parar de combater o que não se pode mudar”. No entanto, todos estamos loucos e indefesos diante das intolerâncias que repelem a humanidade que há em cada um de nós.
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É redundante acreditar que a evolução tenha reforçado de forma significativa os conceitos basilares da civilização. Só quem vive um trauma consegue compreender a verdadeira relevância de certos acontecimentos. A tolerância tem limite?
No passado, de vez em quando, podíamos escolher ver um filme trash: arriscávamos tanto o trivial quanto o extraordinário, sem que isso parecesse absurdo. Hoje, sinto que a dor humana deixou de ser apenas física, e a intolerância é responsável pela degeneração clássica. Há uma formação nefasta para a intolerância — as guerras provam isso, e os jornais e as mídias reforçam que a inteligência está precarizada e ao serviço do caos.
Antigamente, a confusão e os atritos faziam parte de uma rotina inevitável; nesses tempos, a teimosia ainda tinha algum valor diante do que fazíamos em público. Sinto medo, mas sigo em frente sem pensar nas consequências. O excesso de “opinião gratuita” tornou-se o molde de uma sociedade alienada, com propósitos que dificilmente convencem.
De quem é, afinal, o prejuízo quando um soldado morre em combate? E quando é um civil? Uma criança? Uma mulher? Quantos de nós estamos preparados para viver o absurdo? A democracia tem gerado grandes embates filosóficos. Para que a liberdade seja percebida como uma necessidade, precisamos de tensão, poder e, paradoxalmente, de alguma incapacidade.
Os acontecimentos fortuitos são os que elevam o senso comum sobre a intolerância e fazem-nos aceitar que as diferenças não correspondem à realidade — o maniqueísmo favorável de alguns humanos domesticados.
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