Portugal mantém-se a duas velocidades na ocupação do território, apesar de a imigração, a empregabilidade e a habitação o alterarem, alertam especialistas em Demografia e Geografia, criticando os decisores políticos por alheamento da realidade.
“Estamos a viver uma situação de agravamento de uma tendência que vem detrás que é de um país a duas velocidades – um que cresce muito e outro que não só não cresce, como decresce”, afirmou o presidente da Associação Portuguesa de Demografia, Paulo Machado.
Alguns investigadores ouvidos pela Lusa a propósito das autárquicas de 12 de outubro e dos desafios do poder público advogam que a cultura migrante à procura de melhores condições de trabalho e de vida contribui para o povoamento desequilibrado do país. À emigração e à imigração foram-se somando movimentos migratórios dentro do país, do interior para o litoral ou das aldeias para as sedes de concelho ou de distrito, onde há mais desenvolvimento.
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“Somos um país com uma cultura muito secular de migração, que não é apenas para fora do país, mas é para as cidades, há uma cultura muito forte de achar que a melhor forma de progredir na vida é ir para outro território”, sustentou João Seixas, da Universidade Nova de Lisboa.
Na mesma linha, Fernanda Cravidão, da Universidade de Coimbra, afirmou que “a distribuição da população é, sobretudo, junto ao litoral e o interior tem algumas cidades-sede de concelho que acentuaram a sua importância, aumentaram a sua população ou não a viram diminuir”.
“À volta, o território foi-se despovoando”, explicou.
Maria Filomena Mendes, da Universidade de Évora, referiu, da mesma forma, que o país “diminuiu bastante a natalidade e a mortalidade, mas houve também uma deslocação das pessoas para áreas mais do litoral, movimentos migratórios internos, que também contribuíram para esse despovoamento”.
A paisagem foi-se alterando com o fim do mundo rural, a população ficou mais envelhecida com a saída dos jovens em idade ativa e os serviços públicos fecharam nesses locais em prol dos mais povoados.
“Em determinados territórios deixou de haver serviços de proximidade, que garantissem também que as pessoas podiam habitar esses territórios”, alertou Maria Filomena Mendes, também ex-presidente da Associação Portuguesa de Demografia.
“Não temos uma política nacional de cidades, que é fundamental para estruturar o território em torno daquilo que são as âncoras, as cidades médias, que têm uma influência positiva na região envolvente”, sublinhou João Ferrão, ex-secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades.
Com a democracia, generalizou-se o acesso à saúde, permitindo não só controlar e diminuir a natalidade, através das consultas de planeamento familiar, como também reduzir a taxa de mortalidade e aumentar a esperança média de vida.
O século XXI trouxe a globalização e movimentos migratórios à escala mundial a que Portugal não ficou indiferente. Pela primeira vez em várias décadas, o país cresceu 3% em termos populacionais em 2024, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), por causa dos imigrantes.
Contudo, não alterou a sua situação de despovoamento nem passou a ter mais pessoas a nascer do que a morrer, constatou Paulo Machado, sociólogo especializado em Demografia.
Dos 308 concelhos do país, de acordo com os mesmos dados do INE 79 diminuíram a população, 40 subiram acima de 5% e os restantes abaixo de 5%.
Óbidos, no distrito de Leiria, e Odemira, no distrito de Beja, com crescimentos acima de 9%, contrastam com Freixo de Espada a Cinta, no distrito de Bragança, e Barrancos, no distrito de Beja, com um decréscimo superior a 5%.
O motivo, indicou Paulo Machado, é que “quer os que vêm de fora, os imigrantes, quer os que estão cá dentro são mais atraídos por um país de crescimento do que um país deprimido em termos demográficos ou económicos”.
Maria Filomena Mendes acrescentou nestes critérios a disponibilidade de habitação com qualidade e a preços acessíveis.
Centralismo das decisões, falta de conhecimento das especificidades do território, falta de competências dos decisores políticos e ciclos eleitorais que alteram as prioridades de desenvolvimento no território são ainda razões apontadas pelos especialistas para haver um país descontinuado.
No distrito de Santarém, por exemplo, Vila Nova da Barquinha, com um crescimento de 9,2% em 2024, contrasta com Coruche (0,9%), a uma hora e meia de distância, ilustrando a diferença de atratividade dos diferentes territórios.
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