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Café Flórida, desde 1946, na Baixa de Coimbra

Angel Machado | 8 horas atrás em 27-08-2025

A Baixa de Coimbra tem muitos estabelecimentos comerciais que ultrapassaram meio século de vida, isso faz com que sejam altas de memória. É o caso do Café Flórida, numa esquina discreta, na Av. Fernão de Magalhães, outrora única via que ligava o norte ao sul do país.

A família Flórido assistiu ao movimento de pessoas e, também, ao desenvolvimento. Havia um frenesim de pessoas, carros, elétricos e ao constante apito do comboio na Estação de Coimbra-A. O Café Flórida resiste porque sempre foi mais do que um balcão onde se serve café: é o encontro de três gerações que soube adaptar-se às mudanças do tempo.

Fundado por Antenor Flórido, um homem visionário, empreendedor, que chegou a viver dois anos no Brasil na década de 1960, regressou a Portugal e consolidou o Café Flórida. Perto de comemorar 80 anos de existência, muito se transformou, abriu-se uma porta para a Rua Adelino Veiga, e montaram-se duas montras para a exposição de produtos e souvenirs. O local e a essência são os mesmos. “Nunca foi apenas um negócio, tratou-se sempre de uma vida dedicada a servir”, recorda o neto Rui Flórido, hoje gerente do espaço.

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Foi ali que Rui cresceu. Primeiro a observar o avô e o pai atrás do balcão, desde 2004, a trabalhar com o pai e a estudar Gestão de empresas no Isca à noite, até assumir o legado familiar em 2020. Hoje, recorda uma vida inteira ligada ao café, onde as histórias se confundem com as memórias da própria cidade. Quando indagado se gosta do que faz, Rui, apaixonado convicto pelo café Flórida, responde: “Adoro, esta é a minha vida. Nasci e cresci aqui e se meus filhos quiserem, têm aqui uma enxada para continuar”.

Recorda a simpatia dos clientes, os nomes e um modo de vida que tornava tudo mais familiar. “Aqui havia muitas tertúlias e se algum cliente faltasse três dias seguidos, alguém tinha que ligar-lhe para saber o que havia acontecido. A proximidade do que tínhamos antigamente é rara hoje em dia.” Há um certo lamento, uma certa nostalgia desse passado onde cresceu.

A pandemia da covid-19 trouxe desafios inesperados. Durante meses, o café teve de se adaptar a horários reduzidos e restrições sanitárias. “Foi duro, mas conseguimos manter a porta aberta. Hoje recebemos turistas, emigrantes e clientes habituais. Já não é como dantes, mas continua a ser um ponto de encontro”, sublinha.

Entre os anos 80 e 90, o movimento era intenso: a esplanada enchia-se e chegavam a estar cinco funcionários a servir em simultâneo por turno. O café funcionava como centro da comunidade. “O meu avô, Antenor, era de Boas Eiras, em Penacova, uma aldeia com trinta habitantes, se tanto. Mas o café dava-lhe outra alma. Estar ali, de um lado ou do outro do balcão, fazia com que se sentisse em casa.”

Há 21 anos, Rui vivenciou o fim de vários estabelecimentos que ficavam próximos ao seu café: “existiam o Internacional, o Cristal, o Angola, o Farol e o Império, fora as tabernas, tinham seis no total, agora há dois”. O mapa das ausências diz muito da transformação da Baixa.

Apesar das mudanças nos hábitos de consumo, o gestor mantém a confiança. “Antigamente ficávamos abertos até às duas da manhã e reabríamos às quatro. Hoje o movimento é outro, mas o café continua a ser de todos. É essa ligação que queremos preservar.”

No verão de grandes animações, com restaurantes e bares a abrir e a fechar nas ruas vizinhas, o Flórida manteve-se firme. Foi uma espécie de farol para muitos, refúgio para outros e escola de vida para os que cresceram naquele espaço, aprendendo a lidar com clientes, vizinhos, turistas e emigrantes de passagem.

Hoje, os tempos são outros. Já não se fica até às duas da manhã para reabrir às quatro, e a pandemia deixou marcas. Mas a tradição resiste. “Agora recebemos sobretudo turistas e emigrantes. Há quem venha para um lanche rápido ou apenas para a bica da tarde. Já não é como antigamente, mas continua a ser uma referência”, afirma Rui.

No Café Flórida, as memórias são servidas com o café e o pastel de Tentúgal — que o espaço introduziu em Coimbra na década de 60 — e, para os mais ousados, um Licor de Merda, uma aposta nem sempre compreendida, além de souvenirs da cidade e de Portugal.

Um café que está fora das redes sociais, onde a televisão transmite apenas o canal de gastronomia 24Kitchen — “para evitar confusões” —, é sem dúvida um ambiente que podemos considerar um pequeno paraíso. O avô, o pai e o filho, eis a história de três gerações que transformaram o trabalho em amizade e coragem. Em Coimbra, o Café Flórida não é apenas comércio: é memória viva, com gente dentro.

Situado na Avenida Fernão de Magalhães, nº 2, esquina com a Rua Adelino Veiga nº 74, o Café Flórida continua a revisitar diariamente a sua tradição. No verão, funciona das 6:00 às 19:00, de segunda a domingo. No inverno, o domingo encerra às 13:00.

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