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A borboleta que caiu nas cinzas torna-se um dos símbolos da tragédia da Serra da Lousã

Imagem: Manuel Malva/ Facebook
O incêndio que deflagrou no dia 14 de agosto, no Candal, aldeia de xisto da Serra da Lousã, causou estragos severos na Bio-Reserva Integral do Vale da Aveleira, numa tragédia ecológica que põe em risco o futuro dos seus ecossistemas.
Segundo um comunicado da associação ambiental Milvoz, o fogo “assumiu em poucas horas uma dimensão e violência avassaladoras”, consumindo áreas de elevada perigosidade compostas por acacial, eucaliptal e pinhal denso. O incêndio gerou novos focos rapidamente, tornando a situação incontrolável. “Ao final da manhã do dia seguinte, a Bio-Reserva Integral do Vale da Aveleira encontrava-se já cercada pelas chamas, num cenário marcado por temperaturas muito elevadas e fenómenos extremos de vento”, detalha o documento.
Após a passagem do incêndio, a devastação é visível. De acordo com a mesma nota, “grande parte dos habitats maduros sucumbiu ao fogo ou ficou gravemente afetada: o medronhal climácico, os azinhais, os adernais, parte dos bosques de azereiro e inúmeros castanheiros centenários”. A Milvoz considera as perdas ecológicas “imensuráveis” numa das poucas matas antigas ainda preservadas na região Centro de Portugal.
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O comunicado critica ainda a proliferação de espécies invasoras, como a acácia, que terá agravado os efeitos do incêndio: “O vasto banco de sementes desta espécie invasora, acumulado ao longo de décadas, foi ativado pela passagem do fogo e germinará também nas áreas que ainda se mantinham preservadas, colocando em risco a sua regeneração ecológica.”
A associação anunciou que irá realizar um levantamento detalhado no terreno para identificar áreas prioritárias para um plano de restauro ecológico. “Apelamos à união de cidadãos e entidades que partilham a vontade de agir por um futuro mais sustentável para a Serra da Lousã”, conclui o comunicado.
À SIC, Manuel Malva, biólogo e vice-presidente da Milvoz, revela que “é uma tristeza muito profunda caminhar numa paisagem em que tudo foi reduzido a cinzas e, de repente, encontrar uma borboleta tão singela, tão frágil, que de alguma maneira é um dos poucos elementos que resistiu ao local, além do negro e das cinzas”.
O vice-presidente da Milvoz acredita que a borboleta noturna quadripunctaria tenha morrido devido à onda de calor enquanto voava, caindo depois no solo já ardido.
Manuel Malva alerta que a Serra da Lousã tem um “problema ecológico grave”, resultado de “décadas de inação por parte das entidades que que supostamente gerem a serra, com particular foco no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF)”.
“A invasão biológica por acácias foi ignorada durante anos, e ninguém demonstrou interesse em controlar a situação quando ainda havia tempo”, aponta.
“O Estado Português acumula mais de 10 anos de incumprimento. Ao longo desse tempo deveriam ter sido implementadas medidas de gestão ativa para a preservação desta Zona Especial de Conservação e para evitar tragédias como as que acabam de acontecer”, salienta o comunicado da Milvoz.
O biólogo considera tratar-se de uma “tragédia que já estava anunciada”, sobretudo pelo “enorme desleixo” por parte das entidades estatais face à “gestão da paisagem da serra, que nunca foi feita devidamente”.
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