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Carne já começa a ser feita em laboratório sem ninguém ter que matar um animal

Imagem: depositphotos.com
Num laboratório do Instituto de Ciências do Movimento Humano da ETH Zurique, uma equipa de investigadores está a cultivar carne de vaca.
Não em quintas ou campos abertos, mas em placas de Petri, recorrendo a ciência de ponta e biotecnologia avançada.
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O conceito de carne cultivada não é novo, mas havia um problema persistente: a textura. As fibras musculares produzidas em laboratório eram finas, moles e longe de replicar a carne bovina convencional. Isso poderá estar prestes a mudar.
A equipa liderada por Ori Bar-Nur, especialista em biologia regenerativa, conseguiu induzir células bovinas a formar fibras musculares espessas, funcionais e com capacidade de contração. Para isso, usaram uma combinação específica de três pequenas moléculas num meio nutritivo, capaz de guiar os mioblastos (células precursoras do músculo) em direcção à formação de tecido muscular complexo.
Bar-Nur aplicou a técnica, originalmente desenvolvida em Harvard no estudo de doenças musculares degenerativas, às células bovinas extraídas de diferentes cortes de carne — como lombo, aba e bochecha —, sem necessidade de recolher células diretamente de animais vivos. O resultado? Fibras que, vistas ao microscópio, se contraem e pulsam como músculo verdadeiro.
As descobertas, publicadas esta semana na revista Advanced Science, representam um marco importante no desenvolvimento da carne cultivada. Utilizando técnicas de sequenciação de RNA e análises proteómicas, os cientistas mapearam em detalhe o processo de diferenciação celular até à formação de tecido muscular tridimensional.
Estes tecidos incluem tanto fibras de contração lenta (usadas na resistência física) como fibras de contração rápida (potentes e associadas à força), tal como acontece em bifes reais. Algumas dessas fibras nunca tinham sido obtidas em laboratório.
Além do realismo biológico, há o impacto ambiental. A carne cultivada pode reduzir drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa, o uso de solo e água, e eliminar o abate de animais. O professor Adhideb Ghosh, coautor do estudo, afirma que esta tecnologia tem potencial para “oferecer carne mais segura, personalizável e sustentável”. Contudo, ressalva: “A entrada no mercado dependerá de um longo processo de aprovação regulamentar.”
Embora a equipa da ETH tenha produzido apenas alguns gramas de tecido até ao momento, os investigadores já planeiam expandir. O objetivo a longo prazo é viabilizar a produção em escala industrial — e para isso, o custo do meio de cultivo, a aceitação pública e a regulamentação são grandes desafios.
Bar-Nur pondera fundar uma startup para comercializar a tecnologia. A investigação foi parcialmente financiada pelo Good Food Institute e pela agência pública suíça Innosuisse. Embora os regulamentos suíços não permitam ainda a degustação em laboratório, alguns membros da equipa provaram amostras noutros países — e garantem: sabe mesmo a carne.
O próximo passo será integrar gordura, essencial para o sabor e textura. E, acima de tudo, convencer os consumidores de que carne sem vacas pode ser não apenas possível, mas desejável.
Para os cientistas de Zurique, o futuro está cada vez mais próximo — e poderá nascer num biorreator, não num curral.
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