Nas casas que nem são casas vivem pessoas para quem elas significam tudo. Mesmo que nas casas que nem são casas chova no inverno e se morra de calor no verão. Que as paredes nem sejam paredes, que os tetos nem sejam tetos. Que as janelas não tenham vidros e não permitam ver no horizonte nada a não ser outras casas que nem são casas.
Nas casas que nem são casas vivem muitas pessoas que limpam as nossas casas, que as construíram, que todos os dias passam por elas sem que nos apercebamos necessariamente (ou comodamente) de que voltarão ao fim do dia para um sítio a que chamam casa apesar de o não ser.
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Mesmo assim, nas portas que nem são portas são colados editais com ultimatos impossíveis de serem cumpridos, acrescentando desespero à desesperança, apertando ainda mais o caminho que já não leva a lugar nenhum. E numa manhã qualquer, em que os seus irmãos e amigos se levantaram mais uma vez para limpar e construir as casas de cidadãos que se dizem de bem e cristãos que se dizem caridosos, os habitantes das casas que não o são veem aquilo a que chamaram paredes serem literalmente arrasadas – e literalmente arrasados futuros que nem futuros podem ser.
Nas nossas casas que são mesmo casas, é fácil perdermos a noção da barbárie que é destruir barracas para resolver o ‘problema das barracas’, mas basta ter um só pingo de decência para perceber que ninguém escolhe viver ali se tiver uma outra opção.
É fácil permitirmos que o conforto das paredes que são paredes e dos tetos que são tetos nos faça esquecer que há quem não viva assim. Provavelmente, até é fácil deixarmos o descontentamento com as nossas circunstâncias pessoais, eventualmente legítimo, levar-nos a acreditar que estamos mais distantes dos homens, mulheres e crianças que dormem em casas feitas de latas e ripas do que dos homens (são quase todos homens…) que permitem que tudo isto aconteça – mas não estamos!
Apesar de crise habitacional e dos baixos salários, há soluções diferentes e melhores. Porque há sempre solução melhor do que virarmo-nos contra o nosso irmão ou irmã. Contra os seus filhos e filhas. Há sempre solução melhor do que deixar pessoas na rua, do que atirá-las para a rua. Porque o verdadeiro preço que é insustentável continuarmos a pagar é o da nossa própria desumanização.
OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO
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