Opinião

Coimbra fez-me mais universal 

OPINIÃO | Angel Machado | 9 horas atrás em 14-07-2025

Hoje, amanheci com “Clair de Lune”, nos dedos da pianista Maria João Pires, preenchendo os espaços da casa. Começo o dia assim, como quem busca um fio de delicadeza e costura as horas. Debussy escreveu essa peça em 1905, e eu gosto de pensar que, desde então, ela tem sido um refúgio silencioso para os corações inquietos. São 120 anos tocando quem, como eu, caminha entre dois mundos — Brasil e Portugal, onde aprendi a existir em silêncio

Coimbra nunca foi exuberante, não tem o brilho escancarado do meu Brasil, nem o calor imediato das ruas onde cresci. Aqui, quase tudo se revela devagar e, muitas vezes, nem se revela. A cidade pede que se repare nos detalhes, então, eu faço da fotografia os instantes praticados numa espécie de paraíso: o som dos sinos ao longe, o brilho húmido das pedras ao amanhecer e o vento cortante que sopra sem piedade nas manhãs de inverno, onde me revejo ainda estrangeira. 

O tempo parecia dilatar-se nas madrugadas geladas. Não havia distração possível, porque o vento insistia em lembrar-me que estava em Coimbra: as ruas estreitas, as escadas que desafiam as pernas e o silêncio que se alonga ao entardecer. 

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O fado não se quer curado, mas escutado; tristezas que não pedem consolo, apenas companhia. Aqui, as histórias não são gritadas, elas moram nas janelas tortas, nos becos e nos sinos ao começar o dia. 

Hoje, passados alguns anos, ainda me sinto turista. Mas uma turista que a cidade, lentamente, aprendeu a deixar ficar. Coimbra não abre os braços facilmente, mas, quando o faz, envolve-nos para sempre. Ela existe, fiel à sua própria melancolia. 

E eu, brasileira feita de calor e excesso, fui aprendendo a caber nesse espaço contido, onde as emoções são discretas.

Entre Debussy e Amália, as esperas frias e os caminhos solitários, fui construindo um lugar dentro de mim que não se confunde mais com saudade. Existe onde a beleza não vem com promessas, o tempo não cura, mas acomoda o que dói. Há lugares que nos moldam. Coimbra fez-me mais paciente, contemplativa e, talvez, universal.

OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA E ESCRITORA

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