Saúde

Menina de 7 anos ouve pela primeira vez após terapia genética pioneira

NOTÍCIAS DE COIMBRA | 19 horas atrás em 10-07-2025

Imagem: Wikimedia Commons

Poucos dias após receber uma injeção experimental no ouvido interno, uma menina de sete anos virou a cabeça em direção a um som fraco. Foi um bipe — e também o primeiro som que ela ouviu em toda a vida.

Essa cena comovente marca um avanço histórico na medicina: pela primeira vez, uma terapia genética restaurou a audição em crianças, adolescentes e adultos nascidos com um tipo raro de surdez genética. Os resultados, publicados na Nature Medicine, mostram melhorias significativas e mensuráveis na audição de todos os dez participantes do ensaio clínico, com idades entre 2 e 24 anos.

“Este é um grande passo à frente no tratamento genético da surdez, que pode mudar a vida de crianças e adultos”, disse Maoli Duan, do Instituto Karolinska, na Suécia, um dos autores do estudo.

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O ensaio clínico tratou pacientes com mutações no gene OTOF, que impede a produção da otoferlina, uma proteína essencial para a audição. Embora nasçam surdos, esses pacientes mantêm a estrutura interna dos ouvidos intacta — um cenário ideal para o tratamento genético.

Os médicos usaram um vírus sintético (AAV) para transportar uma cópia saudável do gene OTOF até o ouvido interno. A injeção foi feita por uma pequena abertura na cóclea, permitindo que o vírus atingisse as células sensoriais auditivas.

Em até um mês após o tratamento, todos os dez pacientes começaram a apresentar sinais de recuperação auditiva. Seis meses depois, o limiar auditivo médio caiu de mais de 100 decibéis (nível de uma moto barulhenta) para 52 decibéis — uma faixa que permite compreender conversas sem auxílio visual.

O caso mais notável é o da Participante 4, uma menina de 7 anos. Quatro meses após a terapia, ela já mantinha conversas com a mãe sem leitura labial e sem implante coclear. Em algumas frequências, sua audição superava até mesmo a média da população.

“A audição melhorou muito em muitos dos participantes, o que pode ter um efeito profundo na qualidade de vida deles”, explicou Maoli Duan.

Outro exemplo: um mês após o tratamento, uma criança já identificava palavras simples como “tesoura” e “banana” apenas com a audição.

Embora todos os participantes tenham melhorado, os melhores resultados vieram de crianças entre 5 e 8 anos. Segundo os pesquisadores, essa faixa etária pode representar o equilíbrio ideal entre plasticidade cerebral e maturidade auditiva. Em contraste, o único adulto do estudo conseguiu perceber sons básicos, como palmas ou palavras simples, mas sem atingir a fluência auditiva das crianças.

Nenhum efeito colateral grave foi registrado, e até mesmo o paciente que recebeu duas injeções no mesmo ouvido não apresentou complicações. O efeito adverso mais comum foi uma leve queda nos glóbulos brancos.

O ensaio, realizado em cinco hospitais na China, foi conduzido por uma colaboração internacional e financiado pela Otovia Therapeutics Inc., empresa responsável pelo desenvolvimento da terapia.

Embora a mutação no gene OTOF seja rara, os cientistas esperam usar o mesmo método para tratar formas mais comuns de surdez genética, como aquelas associadas aos genes GJB2 e TMC1. Esses genes são mais desafiadores, mas pesquisas em animais já mostram avanços promissores.

“A OTOF é apenas o começo”, afirma Maoli Duan. “Estamos confiantes de que um dia poderemos tratar diversos tipos de surdez genética.”

Com essa conquista, o silêncio começa a ceder espaço ao som — e à esperança.

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