Estudantes de etnia cigana, reunidos hoje na Figueira da Foz, defenderam a existência de mais apoios ao nível escolar e apostam em mudar mentalidades dentro da sua comunidade, para que mais jovens possam prosseguir os estudos académicos.
O III Encontro de Jovens Ciganos Estudantes e Famílias de Portugal, que hoje terminou naquela cidade litoral do distrito de Coimbra, incluiu três grupos de trabalho, ligados aos temas do sucesso escolar, identidade cigana e família e educação, cujas conclusões foram partilhadas no final da sessão.
Três jovens mulheres subiram ao palco do auditório municipal, para comunicarem com a assistência as reflexões do seu grupo, intitulado “Identidade Cigana – Orgulho e Representatividade”, ao nível dos problemas identificados e das soluções preconizadas.
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Mariana Gil, aluna do 2.º ano de Comunicação Estratégica da Universidade Lusófona do Porto, defendeu, entre outras medidas, que a imprensa escrita portuguesa possa abrir espaço à opinião de pessoas de etnia cigana e propôs uma presença da comunidade nos meios digitais, através de estratégias de comunicação direta e regular com os mais novos.
A existência de bolsas de estudo na área das ciências sociais, o reconhecimento da história e cultura cigana nos programas escolares, um projeto editorial periódico “feito de e para ciganos”, ou a criação de uma associação de jovens estudantes ciganos em Portugal, embora admitindo que ser ativista “possa não interessar a toda a gente”, foram outras ideias avançadas.
Já o grupo que trabalhou estratégias relacionadas com o abandono escolar lembrou os desafios financeiros que pendem sobre muitas famílias, que “querem, mas não conseguem que os seus filhos estudem”, mas também a apelidada “desigualdade de género” entre homens e mulheres na comunidade cigana.
“As pessoas pensam que as raparigas têm de casar cedo e que estudar é uma perda de tempo”, disse uma das intervenientes, alegando que na comunidade cigana, genericamente, o estudo não é visto como um investimento no futuro das jovens.
Por outro lado, aludiram ao que chamaram “o efeito de contágio do bairro social” ou da família mais alargada na manutenção destas crenças que limitam a vida dos mais jovens, nomeadamente “o preconceito” de que “é feio uma menina estudar fora de um ambiente não cigano”.
Como soluções para mudar mentalidades, o grupo de trabalho enalteceu o envolvimento de alguns pais nessa tentativa e a assunção de uma estratégia que vise um maior apoio às associações ciganas, com a existência de mais mediadores comunitários e de mais mediadoras mulheres, também para se poderem identificar precocemente casos de eventual abandono escolar.
Já o grupo “Família e Educação – Construção de Pontes”, constituído maioritariamente por pais ciganos, lançou o mote: “Não pode haver escola sem família, nem família sem escola”.
Nos desafios, os pais dos jovens ciganos argumentaram que não existe uma pluralidade na educação nas escolas nacionais, já que os programas são dados “sem a participação da história cigana e de outras etnias” residentes em Portugal.
Aludiram ainda à literacia digital “muito deficitária” nas faixas etárias mais velhas e apelaram a que se acabe com a ‘guetização’ urbana das escolas, – isto é, que os alunos de famílias ciganas se possam espalhar por diversas escolas de uma dada malha urbana, não ficando concentrados num único estabelecimento de ensino da zona onde residem – para promover o pensamento crítico dos mais novos.
Os pais apontam como soluções para os problemas identificados a contínua aposta na mediação cultural dentro das escolas – que classificaram de importantíssima – e uma aposta na descodificação da linguagem burocrática do Estado, dando lugar a guiões para que as famílias possam entender melhor o que lhes é transmitido.
No final da sessão, Bruno Gonçalves, vice-presidente da Letras Nómadas – Associação de Investigação e Dinamização das Comunidades Ciganas, promotora do encontro financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, com o apoio do município da Figueira da Foz, enalteceu a coragem das jovens que foram a palco e destacou “o salto muito grande” entre as conclusões desta reunião e da primeira, realizada em 2014.
“Aqui foi referido, sem medos, que ainda há um longo caminho para fazer. Há comunidades e comunidades, as comunidades ciganas não são todas iguais, mas percebemos que isto é um retrato de que, em alguns territórios, as coisas estão a acontecer”, disse à agência Lusa o dirigente associativo.
Manifestando-se bastante feliz pelos jovens estudantes que já conseguiram vingar no ensino superior – 40 licenciados, 10 mestrados e a eventualidade de um primeiro estudante de doutoramento, até final do ano – vincou ser um sinal “de que em 10 anos houve uma grande mudança”.
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