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Estudantes fintaram censura

Notícias de Coimbra | 10 anos atrás em 21-04-2014

 Participar numa manifestação podia significar prisão ou, pior, a mobilização para a guerra em África, mas nada travou a contestação estudantil que marcou a década de 1960, uma história que hoje se pode “ler” através dos comunicados e panfletos distribuídos pelos estudantes.

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“A década de 60, com o início da guerra colonial, foi uma época de contestação estudantil, que atingiu o seu auge em 1968. Nessa altura, era preciso muita coragem para fazer uma manifestação, porque era arriscar a prisão, ser mobilizado para a guerra ou ser impedido de acabar o curso”, recordou Maria Cândida Proença, especialista em História da Educação.

Hoje é possível ler parte desta história através de documentos escritos na altura. Os episódios mais marcantes da crise estudantil que há meio século abalou o regime são relatados em 46 comunicados das associações de estudantes que a censura não conseguiu silenciar.

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No Estado Novo, emitir um comunicado podia significar prisão. Em 99 dias, os estudantes distribuíram 46 documentos com relatos pormenorizados do que se estava a passar no mundo académico. Contam histórias de polícias armados com pistolas “metralhadoras” e alunos espancados e presos.

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“Efectuou-se anteontem o maior atentado de sempre contra a autonomia da Universidade e a dignidade dos professores e alunos”. É assim que começa o “Comunicado zero”, de 26 de março de 1962.

Os universitários contam que “camiões de polícia, transportando centenas de polícias de choque, armados de pistolas ‘metralhadoras’, tomaram a Cidade Universitária” para que não se “realizassem os Colóquios e o jantar de confraternização do Dia do Estudante”.

No meio da confusão, representantes dos alunos e o reitor da universidade, Marcello Caetano, conseguem agendar uma reunião entre presidentes das associações de Lisboa e o ministro da Educação.

A notícia do encontro corre rápido e “milhares de estudantes” decidem aguardar no Estádio Universitário por notícias. Resultado: o ministro não compareceu e os alunos reunidos no estádio foram vítimas da “primeira carga da polícia sobre os estudantes, da qual resultaram espancamentos e prisões. Este ato de brutalidade só foi contido pela corajosa atitude dos estudantes que se sentaram no chão aguardando a chegada do Senhor Reitor”, refere o comunicado.

O documento relata outras prisões e cargas policiais a alunos das universidades de Coimbra e do Porto que tentavam chegar a Lisboa. No final, as associações académicas anunciam que “o estudante está de luto” e incitam ao protesto “contra o vandalismo policial” e pela libertação dos colegas presos.

No dia seguinte, é distribuído o comunicado nº 1: “Lisboa, 27 de Março. Colegas, agora que todos pensavam que finalmente as nossas aspirações iam ser atendidas, verificamos, com desgosto, que o problema se agravou. Assim: somos apodados de comunistas no programa “Rádio Moscovo Não Fala Verdade”.

O documento anuncia ainda que os “colegas de Coimbra DECRETARAM O LUTO ACADÉMICO”.

A libertação dos estudantes detidos e a promessa de realização do Dia do Estudante, depois de “três dias de intranquilidade”, é a novidade do Comunicado nº 2, de 28 de março, que anuncia o fim do luto académico.

No entanto, 48 horas depois, novo panfleto sugere a todos que esclareçam “as pessoas das suas relações” sobre as motivações das ações estudantis para evitar “boatos e as mais fantasiosas versões sobre o assunto”. As coisas parecem mais calmas quando Marcello Caetano envia para o Ministério da Educação (ME) o programa do Dia do Estudante, marcado para 7 e 8 de abril.

A 09 de abril, os estudantes denunciam a invasão das instalações da Associação Académica de Coimbra por estudantes e policias. Alguns universitários sobem à Torre da Universidade e tocam o sino para avisar a cidade do que se estava a passar.

O luto académico é novamente decretado, assim como a greve às aulas e exames. Entretanto, em Lisboa, a cantina da universidade é ocupada por alunos que iniciam uma greve de fome: “Em mais de oitenta estudantes que sacrificam as suas forças físicas, a sua comodidade e os seus estudos é toda a academia de Lisboa que se acha simbolizada”, refere o comunicado nº 22, garantindo que “milhares de colegas lhes fazem companhia”.

A situação na cantina complica-se, levando à emissão, às 02:00, de um novo panfleto, no qual falam em “presságios” de que “de novo as entidades oficiais vão recorrer a métodos de força”.

Na madrugada de 10 de abril, a polícia prende cerca de 1.500 alunos. Pelas 11:30, num breve comunicado, os estudantes conseguem apenas denunciar a intervenção policial, admitindo “nada saber de nenhum dos estudantes que, em número de muitas centenas, lá se encontrava”. Só no dia seguinte alertam para o “gravíssimo acontecimento da prisão dos colegas”.

A 14 de junho, o penúltimo comunicado da crise de 68 divulga a instauração de processos disciplinares a 21 alunos que participaram na greve de fome e anuncia o fim do luto académico e da greve aos exames. A 03 de julho é divulgado o último comunicado, que marca o fim de 99 dias em que a censura não conseguiu silenciar os estudantes.

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