Opinião
50 anos depois
No próximo dia 25 de Abril, irão comemorar-se os 50 anos da revolução dos cravos.
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E acima de tudo, irá ser festejada a liberdade de pensamento, de expressão, de livre participação na decisão do destino colectivo de Portugal, como um estado de direito democrático.
Coimbra, durante todo o regime salazarista, foi uma incubadora da oposição. Manifestou-se, escreveu, cantou, uniu-se, e fez-se notar, fazendo tremer em vagas sucessivas, quem comandava de forma autoritária e anti-democrática o nosso país.
Faço lembrar a final da Taça de Portugal de 1969, com a participação da Associação Académica de Coimbra (“o maior comício de sempre contra o regime”, conforme é relatado no livro “Futebol de Causas”); a inauguração do Edifício das Matemáticas (o célebre “peço a palavra”), também em 1969, com a intervenção notada nacionalmente e internacionalmente do Presidente da AAC; o luto académico posterior com greve aos exames; o álbum discográfico “Flores para Coimbra”, manifestação de uma juventude qualificada mas inquieta, consciente, e actuante para a decisão de um futuro livre, conforme descreve Orlando de Carvalho. E os escritos de Manuel Alegre, entre outros, que, de forma sublime, impulsionaram um novo pensar.
Isto sempre liderado pela Associação Académica de Coimbra, que ainda teve o condão de se integrar e fazer suas as lutas populares, mesmo as daqueles e daquelas que nunca vislumbraram um assento universitário.
A AAC foi, durante décadas, um dos maiores (talvez o maior), centro de combate anti-fascista existente em Portugal, e de forma constante, sem medos ou reverências bacocas.
Feito este intróito, digo-vos que acompanhei pelos órgãos de comunicação social, a questão da “Comissão de Festas”, celebrativa dos 50 anos do 25 de Abril, criada pelo actual executivo municipal, nomeadamente pelo seu Presidente, que excluiu a Associação Académica de Coimbra desta Comissão.
E li, também, as duas cartas abertas escritas pelo actual presidente da AAC, e a resposta que lhe foi dada pelo Presidente da Câmara, pessoa a quem a DG/AAC já tinha presenteado com um fardo de palha, que é coisa nunca vista nesta cidade.
Não sei se o actual Presidente da Câmara Municipal, se quer equivaler a Júlio de Araújo Vieira, que comandava os destinos deste município, a convite de Bissaya Barreto, até ser deposto, no pós 25 de Abril, e que, obviamente e certamente, não gostaria da AAC, visto ter de lidar com a maior organização nacional contra o regime que o nomeou presidente, organização estudantil esta que ficava a poucas centenas de metros do seu centro de poder.
Mas, curiosamente, nunca Júlio de Araújo Vieira foi agraciado com um fardo de palha…o que é relevante.
E, pasme-se, o actual Presidente da Câmara, ainda se fundamenta publicamente, que nenhuma entidade ( e apenas indivíduos em nome pessoal) tinha sido convidada para integrar a “Comissão de Festas”, portanto…a AAC não poderia constar desta comissão.
Engana-se Senhor Presidente! Existe uma instituição que faz parte da Comissão. A Câmara Municipal que é dirigida por si mesmo, e que criou a própria comissão. A não ser que se julgue acima da própria instituição municipal, e considere que o seu lugar é superior á instituição que dirige.
No meio disto tudo, e sendo o actual executivo sustentado por vários partidos, mas essencialmente por dois partidos com base democrática (o PSD e o PCP), pergunta-se se estarão satisfeitos os Vereadores representantes destes dois partidos, com esta decisão de não convidar a AAC para integrar a comissão.
É que se ficarem calados, e não se opuserem frontalmente a esta deliberação…só estarão a renegar a sua história partidária, e a fazerem lembrar aqueles pelo seu silêncio medroso sustentaram o anterior regime.
Isto é Coimbra no seu pior. Absolutamente indescritível. E contraria o próprio objectivo dos festejos dos 50 anos do 25 de Abril: comemorar a liberdade e homenagear aqueles que por ela lutaram, e muitas vezes pagaram com o próprio corpo essa coragem.
Fica a pergunta retórica, feita de palavras que não são minhas: onde estava no 25 de Abril de 1974, Senhor Presidente da Câmara?
OPINIÃO | NUNO MATEUS – JURISTA
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