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Oficina de formação em fabrico artesanal de gaitas de Bravães recuperou um ofício “perdido” há meio século

Notícias de Coimbra | 4 anos atrás em 05-01-2020

Uma oficina de formação em fabrico artesanal de gaitas de Bravães recuperou um ofício “perdido” há meio século naquela aldeia de Ponte da Barca e quer agora devolver o instrumento ao lugar de referência cultural de outros tempos.

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Imagem Jorge Lira | Facebook

“Mais do que aprender construir as gaitas de Bravães, queremos aprender a tocar, queremos criar um grupo de gaitas e queremos fazer programação cultural associada ao instrumento”, atira Rafael Freitas.

O arquiteto de 29 anos, um dos 11 alunos do primeiro curso de construção de gaitas de foles iniciado em novembro na antiga escola primária de Bravães, entretanto desativada e transformada em sede de associações locais, explicou que o movimento cívico pela recuperação do ofício e promoção do instrumento “surgiu no seio da turma e está com muita força”.

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Os 11 alunos “com idades a partir dos 20 e até aos 70 anos, de várias áreas profissionais, de ou com ligações a Bravães”, já formaram um grupo de gaiteiros, criaram uma página nas redes sociais e, em dezembro, apresentaram ao público a sonoridade das duas primeiras gaitas que produziram, orientados pelo arquiteto Jorge Lira, investigador e construtor de gaitas de foles da Maia.

A dinâmica criada em torno da oficina e do grupo “Gaiteiros da Bravães” vai resultar, a 11 de janeiro, num evento intitulado “Anda à Varanda 2020”, que reunirá diversos nomes da música tradicional portuguesa.

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Para o movimento cívico, “está na hora de descongelar a tradição, de olhar para a tradição fora dos rótulos das federações de folclore, fora do contexto rigoroso do rancho folclórico e das recriações etnográficas”.

“Está na hora do folclore descer do palco e voltar ao terreiro. E está na hora das gaitas de foles se voltarem a fazer ouvir nos bailes”, defendem os “Gaiteiros de Bravães”.

A oficina foi criada pela Escola de Artes e Ofícios, um dos projetos vencedores, em 2018, da primeira edição do Orçamento Participativo que juntou os municípios vizinhos de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez.

No caso de Ponte da Barca, a Epralima – Escola Profissional do Alto Lima e a Câmara decidiram apostar na recuperação de um ofício “perdido”.

“O objetivo desde primeiro curso é o de formar novos construtores de gaitas, retomando uma tradição de Bravães que tinha acabado lá por volta dos anos 80. Em 2004, ainda chegou a ser feita uma tentativa para a recuperar, mas não funcionou”, explicou Rafael Freitas.

Os dois primeiros instrumentos na oficina são réplicas de uma gaita produzida, em 1950, por um construtor da freguesia, Emílio de Araújo.

O instrumento original integra o espólio do Museu de Etnologia de Lisboa, e está documentado nas recolhas do etnólogo Ernesto Veiga de Oliveira, entre anos de 60 e 63.

“A gaita de Bravães não será caso isolado no fabrico artesanal do noroeste português que chegou à segunda metade do século XX, mas é a única oficina devidamente documentada, graças às recolhas de Ernesto Veiga de Oliveira”, refere o grupo.

Terra de gaitas de foles e gaiteiros, Bravães assiste, “com muito interesse” ao ressurgimento de uma tradição antiga.

“A minha avó nasceu em 1927, filha de um gaiteiro, e diz que desde pequena que se lembra do pai ir para as festas tocar gaita de foles”, destacou Rafael Freitas.

Os primeiros construtores de gaitas terminam a formação no final de janeiro, quando todos tiverem construído a sua própria gaita de Bravães, “diferente de todas as existentes em Portugal”.

“Têm uma afinação diferente. Normalmente, as gaitas são afinadas em Dó, mas as de Bravães são afinada em Si. Depois, foi concebida para tocar no meio de muitos grupos de bombos, típicos das romarias do Alto Minho. O cone acústico está desenvolvido de uma forma que lhe dá um timbre muito mais alto, resultando num som muito potente”, explicou.

Inicialmente, as gaitas “eram construídas em madeira de buxo, espécie entretanto declarada protegida”. Atualmente a madeira de oliveira passou a ser uma “alternativa ambientalmente sustentável e de muito mais fácil acesso”.

Já o fole das gaitas era “feito com pele de animais, normalmente o cabrito”, material substituído pelo Gore-Tex.

O aprendiz Rafael não tem dúvidas de que o movimento agora iniciado “não vai parar”. Na calha estão previstos mais cursos para dar resposta “há muita procura registada a nível nacional”, aquando da constituição da oficina de Bravães.

Para além de reativar o fabrico, os gaiteiros de Bravães quer continuar “a sensibilizar e formar novos tocadores de gaita e outros instrumentos musicais tradicionais, como as percussões e os cordofones, contribuindo para a manutenção da diversidade das tradições musicais locais”.

“Pretendemos ser um grupo de investigação e de debate, mas também de festa, aberto a toda a comunidade de dentro e fora de Bravães”, sustentam os gaiteiros.

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