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Mulheres na arquitetura e um novo olhar necessário sobre as cidades

Notícias de Coimbra | 3 anos atrás em 19-04-2021

Espaços mais inclusivos nas cidades, a partir de políticas de género e de inclusão, foram temas de um debate realizado hoje, no âmbito do Congresso Mundial de Arquitetos, que decorre na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil.

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A discriminação no mercado laboral de arquitetura, no Brasil, em termos de género e de cor de pele, e o impacto da luta das mulheres na transformação de Barcelona, dominaram o encontro virtual entre a arquiteta brasileira Gabriela de Matos, promotora do projeto Arquitetas Negras do Brasil, e a argentina Zaida Muxi, investigadora das questões de género aplicadas ao urbanismo e à arquitetura

Zaida Muxi fez uma ampla exposição sobre políticas adotadas na cidade de Barcelona, em Espanha, e explicou como a luta das mulheres desde a década de 1980, para criar uma cidade com espaço público mais inclusivo, tem transformado aquela metrópole.

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A investigadora apresentou exemplos de mudanças urbanísticas adotadas pela cidade, que incorporou o tema de género no planeamento urbano a partir de 2017, dentro de uma nova abordagem que incentiva a valorização dos cuidados e do convívio social nos espaços públicos com mais áreas para caminhar, espaços verdes, criação de novos pontos de convívio para crianças, em lugares que antes eram destinados ao tráfego e estacionamento de carros.

“Os cuidados não podem ser isolados, têm de ser compartilhados porque, se os isolarmos, reforçamos os papéis de género que se baseiam justamente em ter dado ao sexo feminino as tarefas de cuidado”, defendeu Zaida Muxi.

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Falando sobre a presença das mulheres na arquitetura, a investigadora argentina lembrou que há um elemento histórico de “invisibilidade” e apagamento das contribuições femininas para as cidades.

“A história das mulheres e das mulheres negras é, em geral, de invisibilidade e apagamento. Na história da arquitetura, nas nossas referências, que se constroem diariamente (…), existem várias condições que nos tornaram invisíveis”, frisou.

“[Isto acontece] porque as nossas cidades, as nossas arquiteturas, foram pensadas de uma perspetiva considerada universal e parcial que pertence à expectativa do homem branco (…) do que são minorias nas cidades”, acrescentou.

Já Gabriela de Matos, porta-voz e fundadora do projeto Arquitetas Negras do Brasil, especialista em Sustentabilidade e Gestão do Ambiente Construído, lembrou que, no país sul-americano, além das cidades não terem planeamento inclusivo que leve em conta o ponto de vista e as necessidades da criação de espaços de cuidados caros às mulheres, a presença feminina na arquitetura é ainda mais invisibilizada e precarizada, quando se leva em conta a realidade das profissionais negras.

A urbanista explicou que o género, no Brasil, tem um reflexo direto na remuneração no mercado laboral de arquitetura, e as mulheres negras ganham salários muito abaixo dos homens brancos, das mulheres brancas e dos homens negros, ou seja, estão na base da pirâmide com menor remuneração face aos seus pares.

“Nota-se que [no Brasil] os arquitetos brancos são os mais bem remunerados e as arquitetas negras correspondem ao grupo com menores rendimentos (…). Os homens brancos ganham quase o dobro do que as arquitetas negras” ganham, explicou referindo-se a uma pesquisa formulada com respostas de mais de 600 arquitetas negras.

Em entrevista à agência Lusa, no sábado, a dois dias da sessão do Congresso Mundial de Arquitetos, Gabriela de Matos falou do projeto que lançou, Arquitetas Negras, com o objetivo de mapear a produção destas mulheres por todo o Brasil, e que acabou por se transformar numa plataforma para denunciar desigualdades no setor.

Eleita em 2020 Arquiteta do Ano pelo Departamento Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Gabriela de Matos reforçou: “Ter um título de arquiteta não nos retira dessa condição de mulher negra e, por isso, devemos dar uma atenção para esse grupo, porque não está a ter acesso a esse mercado da mesma forma que os demais”.

Hoje, na sua intervenção, a arquiteta afirmou que “a desigualdade salarial esta relacionada com [se reflete em] diversas questões como a precariedade das casas em que as mulheres negras habitam, a infraestrutura urbana onde as mulheres negras são maioria e onde há ausência de equipamentos públicos de educação, saúde e lazer”.

Segundo a especialista brasileira, todas estas condições negativas foram reforçadas na pandemia de covid-19.

“Estamos num momento em que é preciso reconfigurar o mundo e, muitas vezes, reconfigurar o mundo passado por pensar criticamente estas situações históricas”, defendeu Gabriela de Matos.

Citando a pandemia de covid-19, Zaida Muxi salientou que “hoje vivemos em cidades que estão doentes e que nos deixam doentes, portanto, uma mudança de mobilidade e nas prioridades das cidades é ideal”.

“Nesta época de covid-19, de pandemia, a permanência nas ruas para caminhar se torna ainda mais necessária, porque precisamos de nos manter distantes e queremos estar na rua. [Muitas] cidades estão confinadas, não podemos sair da cidade, portanto, o espaço público é muito necessário e, ao mesmo tempo, escasso”, concluiu defendendo este olhar mais inclusivo.

O 27.º Congresso Mundial de Arquitetos, designado como “o maior evento mundial de arquitetura e urbanismo”, a nível mundial, decorrerá até julho deste ano, a partir do Rio de Janeiro, no Brasil, sob quatro eixos temáticos: “Fragilidades e desigualdades”, “diversidade e mistura”, “mudanças e emergências” e “transitoriedade e fluxos”, com o impacto da pandemia também sempre presente.

Inicialmente programado para 2020, o congresso, sediado no Rio de Janeiro, foi adiado para este ano e passou a decorrer de forma virtual, devido à covid-19.

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