Coimbra

Morreu Eduardo Lourenço. Carlos Reis enaltece o “grande ensaísta literário”

Notícias de Coimbra | 3 anos atrás em 01-12-2020

O professor Carlos Reis lembra Eduardo Lourenço, que morreu hoje, aos 97 anos, como um “grande ensaísta literário”, e apela a que não se faça dele “a figura sacralizada que ele não quereria ser”.

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“Acerca do desaparecimento de Eduardo Lourenço e das reações que ele tem motivado, a minha primeira reação é esta: não institucionalizemos Eduardo Lourenço. Lembremos a sua obra, a sua pessoa e a sua constante intervenção na nossa vida pública, mas não façamos dele a figura sacralizada que ele não quereria ser”, considerou o vencedor do Prémio Eduardo Lourenço 2019, num depoimento enviado à agência Lusa.

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Na opinião de Carlos Reis, Eduardo Lourenço “foi um grande ensaísta literário, ou seja, alguém que cruzou a sua palavra com a palavra dos grandes escritores que leu: Antero de Quental, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Carlos de Oliveira, Miguel Torga, Vergílio Ferreira, Eugénio de Andrade, Agustina Bessa-Luís José Saramago e muitos mais”.

O que de “inimitável” existe na palavra do ensaísta literário que Eduardo Lourenço foi, é a “capacidade para manter viva a voz do ensaísta, como voz outra, relativamente à dos escritores com quem ele dialoga. E também para ser, com eles e à sua maneira, um escritor”.

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Com a morte de Eduardo Lourenço, “desaparece alguém que viveu tempos e mudanças históricas drásticas que ele ajudou a interpretar, com o seu pensamento e constante disponibilidade para o enunciar”.

Recordando que o filósofo português foi “formado, do ponto de vista intelectual, no tempo do salazarismo”, sublinha que “partiu para um exílio que se assemelha a outros, de grandes figuras da nossa vida cultural que, como ele, pensaram e problematizaram Portugal olhando-o de fora”.

“E desse exterior observou a Revolução de Abril, a descolonização, a integração europeia de Portugal, com as suas ilusões e com as suas falácias. Fê-lo sem nunca abandonar uma relação estreita, praticamente umbilical, com a terra onde nasceu”, recorda o professor de português, especialista em estudos queirosianos.

Nesse sentido, considera que Eduardo Lourenço ficou sempre o cidadão nascido em São Pedro do Rio Seco, a curta distância da fronteira com Espanha, e que “isso dava-lhe uma autoridade inquestionável para refletir sobre Portugal e sobre os portugueses, sem deixar de ser, como foi, um verdadeiro cidadão do mundo”.

“Um dia, há muitos anos, Eduardo Lourenço escreveu, no seu diário: ‘Gostaria de viver num convento onde o superior fosse Álvaro de Campos.’ E acrescentou: ‘Em lugar de nos perdermos na contemplação de Deus, adoraríamos noite e dia a sua Ausência’”, recordou Carlos Reis.

Para este ensaísta, “nada mais fascinante do que podermos testemunhar essa conjunta adoração da Ausência de Deus. Um Deus que, para Lourenço mais do que para Campos, foi sempre, como a morte, um mistério impenetrável”.

Professor, filósofo, escritor, crítico literário, ensaísta, Conselheiro de Estado, interventor cívico, várias vezes galardoado e distinguido, Eduardo Lourenço morreu hoje, em Lisboa.

Eduardo Lourenço Faria nasceu em 23 de maio de 1923, em S. Pedro do Rio Seco, no concelho de Almeida, no distrito da Guarda.

Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas, na Universidade de Coimbra, em 1946, aí iniciou o seu percurso, como assistente e como autor, com a publicação de “Heterodoxia” (1949).

Seguir-se-iam as funções de Leitor de Cultura Portuguesa, nas universidades de Hamburgo e Heidelberg, na Alemanha, em Montpellier, na França, e no Brasil, até se fixar na cidade francesa de Vence, em 1965, com atividade pedagógica nas principais universidades francesas.

Autor de mais de 40 títulos, possuiu desde sempre “um olhar inquietante sobre a realidade”, como destacaram os seus pares.

“Labirinto da Saudade”, “Pessoa, Rei da Nossa Baviera”, “Tempo e Poesia” e “Os Militares e o Poder” estão entre algumas das suas principais obras.

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