Coimbra

Há muita transparência nesta carta dirigida a Manuel Machado!

Notícias de Coimbra | 7 anos atrás em 22-02-2017

Luis Sousa, Presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC) refuta críticas de Manuel Machado, Presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) sobre a forma como é elaborado o Índice de Transparência Municipal (ITM).

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MANUEL MACHADO

Veja a carta que lhe enviaram:

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No seguimento das tomadas de posição públicas de V. Exa., reproduzidas na comunicação social, após reunião do Conselho Directivo da ANMP, sobre a credibilidade do Índice de Transparência Municipal e alegada incongruência dos dados recolhidos, a Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC), vem prestar os seguintes esclarecimentos:
1. A Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC) é uma ONG fundada em 2010, representante nacional da Transparency International (www.transparency.org) e que tem por missão contribuir para o fortalecimento da cidadania e a qualidade da governação pública e privada em Portugal, através da promoção da transparência, da integridade e da responsabilidade.
2. Para a TIAC, melhorar a qualidade da democracia local é um objetivo prioritário. Neste sentido, a associação propôs-se desenvolver um índice que permita, ao cidadão e ao decisor, aferir o patamar mínimo de transparência do seu município, medido através de uma análise do volume e tipo de informação disponibilizada naqueles que são os outlets de comunicação com maior difusão nos nossos dias- os websites dos municípios -, sobre a estrutura, funcionamento e gestão municipais e, em particular, sobre a sua atuação em áreas de elevado risco, como são a contratação pública e o urbanismo. Nem a transparência se esgota no Índice de Transparência Municipal (ITM), nem podemos aferir da sua leitura que o município A é mais transparente que o município B. Embora estejamos conscientes que a publicação de um ranking possa conduzir a este tipo de interpretações fugazes, a Transparência e Integridade, Associação Cívica foi sempre clara na sua comunicação sobre o Índice e a necessidade de o avaliar em conjunto com outros indicadores de governança. O ITM mede a disponibilização de informação essencial e portanto trata-se de um patamar mínimo de transparência. Não são objecto de avaliação outras dimensões igualmente vitais para aferir o grau de transparência, nomeadamente a inteligibilidade e qualidade da informação disponibilizada, uma vez que é impossível centralizar num índice nacional variáveis cuja rigorosa aferição depende em parte do conhecimento das dinâmicas políticas e sociais de cada um dos 308 municípios portugueses. O ITM tem um enfoque preciso, que se pretende ver complementado com outros indicadores de governança local existentes ou que venham a ser desenvolvidos, para que possamos ter um retrato mais completo sobre o desempenho do poder local democrático.
3. O ITM é composto por 76 indicadores agrupados em 7 dimensões, a saber: 1) Informação sobre a Organização, Composição Social e Funcionamento do Município; 2) Planos e Planeamento; 3) Impostos, Taxas, Tarifas, Preços e Regulamentos; 4) Relação com a Sociedade; 5) Contratação Pública; 6) Transparência Económico-Financeira; 7) Transparência na área do Urbanismo. Os indicadores e respetiva ponderação foram definidos por um painel de peritos em matéria de poder local, com uma composição suficientemente representativa de várias tendências disciplinares e profissionais e sob o escrutínio de consultores externos, seguindo as melhoras práticas internacionais. Participaram nesta fase inicial de formulação conceptual e operacional do índice os seguintes peritos: João Ferrão (investigador principal do ICS-UL e antigo Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades); Orlando Nascimento (Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa e antigo Inspector-Geral da Administração Local); Paulo Trigo Pereira (professor catedrático de economia do ISEG e um dos responsáveis pela Lei de Finanças Locais); João Ricardo Vasconcelos (técnico IT e antigo membro da Agência para a Modernização Administrativa responsável pelas iniciativas de Governo Aberto); Luísa Schmidt (investigadora principal do ICS-UL e especialista em políticas do ambiente e sustentabilidade); João Dias Pacheco (jurista e antigo dirigente da ATAM – Associação dos Trabalhadores da Administração Local); Bárbara Rosa (jurista e ativista, coautora do blogue Má Despesa Pública); e Paulo Teixeira de Morais (professor de Matemática e Estatística e antigo Vice-Presidente da CM do Porto no pelouro do urbanismo). 

4. A ANMP foi contactada no arranque do projeto (2013) para fazer parte da conferência de peritos que determinou o conjunto de indicadores e respetiva ponderação que estão na base do Índice de Transparência Municipal. Infelizmente, não deu resposta positiva a esse contacto. Em ocasiões posteriores, a ANMP foi convidada para participar em eventos e reuniões de trabalho relacionados com o Índice, sem que também esses convites tenham sido aceites. Não sendo um requisito para que os dirigentes da ANMP possam emitir as opiniões que entenderem sobre a elaboração e aplicação do ITM, não deixa de ser esclarecedor sobre a real vontade da Direção da ANMP em ter uma discussão esclarecida sobre esta iniciativa da sociedade civil e, por conseguinte, sobre a legitimidade das suas críticas ao Índice de Transparência Municipal.
5. O projeto é da autoria da TIAC e a sua execução é assegurada por

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1) um comité de coordenação científica composto pelo Prof. Doutor António Tavares da Universidade do Minho, Prof. Doutora Susana Jorge da Universidade de Coimbra, Prof. Doutor Nuno Ferreira da Cruz da London School of Economics do Reino Unido e o Prof. Doutor Luís de Sousa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e atual presidente da TIAC;

2) uma investigadora-coordenadora, Prof. Doutora Teresa Ruel da Universidade de Aveiro, que acompanha a sua execução; e 3) uma equipa de investigação que incluiu, para a edição de 2016, duas bolseiras contratadas pela Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas da Universidade de Aveiro (GOVCOPP/UA), no âmbito do plano estratégico deste centro de I&D, de acordo com as regras estabelecidas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Não podemos, por isso, deixar passar incólumes as críticas expressas pelo presidente da ANMP em relação à idoneidade e competência da equipa de investigação. Da mesma forma, não reconhecemos à ANMP, ao seu Presidente e Conselho Diretivo, competência específica para atestar a cientificidade do projeto, cuja validação já foi assegurada pelas várias publicações científicas em revistas internacionais da especialidade, com revisão por pares, à luz das melhores práticas académicas internacionais. Entre outras, destacamos o artigo “Measuring Local Government Transparency” da autoria de Nuno Ferreira da Cruz, António F. Tavares, Rui Cunha Marques, Susana Jorge e Luís de Sousa na prestigiada Public Management Review, publicada pela Routledge1. Para que não restem dúvidas sobre o mérito das pessoas envolvidas na coordenação científica do índice, decidimos anexar a esta carta o Curriculum Vitae dos vários intervenientes-chave na gestão do ITM, com o seu expresso consentimento.
6. A definição operacional de transparência utilizada pelo ITM é clara quanto à lógica que preside à recolha dos dados e construção do Índice e encontra-se alicerçada na literatura internacional de referência (Davis, 1998; Wong & Welch, 2004; Welch et al., 2005; West, 2004; Kim et al., 2005; Curtin & Meijer, 2006; Piotrowski & Ryzin, 2007; Shim & Eom, 2008, 2009; Ball, 2009; Coglianese, 2009; Cullier & Piotrowski, 2009; Grimmelikhuijsen, 2010; Grimmelikhuijsen, 2010; Bertot, Jaeger & Grimes, 2010; Schuler et al., 2010; Borry, 2012; da Cruz et al., 2014; Tavares e da Cruz, 2014). No contexto do ITM entende-se por transparência o ato de “providenciar informação relevante, fidedigna, atempada, inteligível e de fácil acesso sobre formato, desempenho e gestão do bem público”. Como já foi referido, não sendo a usabilidade da informação uma das dimensões de transparência avaliadas pelo ITM, esta pode influir no processo de recolha e codificação dos dados, visto que os investigadores do projeto colocam-se na posição do utilizador comum, do usuário, sem acesso a informação privilegiada nem conhecimentos técnicos especiais quanto à navegação em websites, verificação de informação ou eventuais necessidades de recurso a software complementar para a descarga e acesso a documentação específica. Logo, em websites onde encontrar informação seja difícil para o cidadão comum, é natural que o seja igualmente para o investigador. Dito isto, se um investigador experiente, que fez mais de 15.000 observações durante a pesquisa ITM, sente dificuldade em encontrar determinados itens de informação, imaginemos o que será para o cidadão comum que interage pela primeira vez com um website disfuncional de um município!
7. O ITM visa três grandes objetivos:
 Proporcionar uma ferramenta de benchmarking aos municípios na difusão proativa de informação nos seus websites, através da elaboração e publicitação de um ranking e relatório anual;.  Sensibilizar as autoridades locais para a importância da transparência e responsabilização para o aprofundamento da democracia local, a participação cívica e o desenvolvimento local sustentável;  Promover a divulgação dos resultados junto da academia e da comunidade civil com o intuito de fomentar um debate alargado sobre estas matérias e a produção de estudos científicos e técnicos sobre a qualidade da democracia local.
Porque se trata de um projeto académico com impacto social e político, a coordenação científica teve o cuidado de adotar um conjunto de procedimentos com o intuito de assegurar rigor e consistência no processo de recolha e validação dos dados:

1) foi elaborado um guião de preenchimento, onde se operacionaliza cada indicador, especificando os critérios utilizados para dar um determinado indicador como cumprido ou não cumprido;

2) asseguramos a formação inicial da equipa de investigação, no que concerne os objetivos, fundamentação e metodologia do ITM para que haja uma interpretação uniforme dos indicadores;

3) foi instituída a figura de Investigador-Coordenador, por forma a garantir uma assistência e supervisão contínua ao longo da recolha dos dados, prestando esclarecimentos sempre que solicitados pela equipa de investigação e assegurando uma boa execução do projeto dentro dos prazos estabelecidos;

4) foram introduzidas verificações periódicas e aleatórias e exigidos relatórios de progresso à equipa de investigação de modo a assegurar a qualidade e rigor da informação recolhida;

5) sempre que surgissem dúvidas quando à classificação de um determinado indicador, os investigadores foram aconselhados a registarem-nas nas observações da matriz de análise (colocando o link do indicador, quando disponível) e a contactarem o Investigador-Coordenador para que a Coordenação Científica se pronuncie;

6) os esclarecimentos prestados pela Coordenação são comunicados a toda a equipa de investigação para que haja uma aplicação uniforme dos indicadores;

7) os municípios têm acesso às respectivas grelhas de avaliação na fase de contraditório, podendo sugerir correcções que são depois validadas ou rejeitadas pela equipa de investigação na ponderação final;

8) para reforçar o rigor e qualidade dos dados na fase de validação, introduzimos uma última reverificação dos dados aplicada aos 10 primeiros e 10 últimos municípios do ranking, aos que registaram grandes subidas ou descidas na pontuação e a uma amostra aleatória de municípios;

9) por último, na edição de 2016, decidimos partilhar com os municípios o guião de preenchimento e comunicar, através dos respetivos e-mails institucionais, a pontuação individual de cada município antes do lançamento público do Índice. O que não podemos permitir, de forma alguma, é uma inversão de papéis, como alguns autarcas parecem querer sugerir, em que se pretenda que uma organização da sociedade civil faça uma avaliação aos websites municipais de acordo com os critérios dos próprios municípios.

Pela mesma razão, é lamentável que V. Exa. dê eco a críticas infundadas de que a TIAC se recusa a responder aos pedidos de esclarecimento dos municípios. Sendo V. Exa. presidente de uma Câmara Municipal, saberá que a TIAC endereçou várias comunicações aos municípios ao longo de todo o processo, informando dos prazos e etapas de produção de Índice e partilhando o guião atrás mencionado, com a descrição completa e exaustiva dos indicadores e dimensões de análise, bem como dos seus pesos na ponderação final do Índice. Saberá também que desde o início comunicámos que não seria feito um atendimento individualizado às autarquias, não só porque a TIAC simplesmente não tem recursos para processar de forma eficiente todos os contactos que nos cheguem de cada uma das 308 Câmaras Municipais do país, mas sobretudo porque partilhar toda a informação sobre o Índice de um modo uniforme, em simultâneo para todas as autarquias, é a única forma de assegurar um tratamento equitativo e evitar assimetrias de informação que concedam a um qualquer município uma vantagem indevida em relação aos demais.
8. Não é despiciendo recordar que o ITM é o único índice que mede anualmente, para todos os municípios, o grau de informação disponibilizada nos seus websites institucionais. Neste sentido, o ITM é uma iniciativa única a nível mundial, o que é motivo de orgulho para a TIAC. Existem outros trabalhos congéneres na vizinha Espanha, nos EUA, na Eslováquia, na Alemanha, mas nenhum tem a profundidade e abrangência do ITM, que recolhe e trata anualmente mais de 60.000 observações, o que só por si é ilustrativo da dimensão do projeto.
9. Para que esta ferramenta de benchmarking possa produzir efeitos desejados e alterar padrões de prestação de informação aos cidadãos por parte dos municípios, é necessária a sua replicação ao longo do tempo, algo que tem sido conseguido pela TIAC com enorme esforço e sentido de serviço público. Este investimento tem sido compensado na medida em que temos assistido a desenvolvimentos manifestamente positivos ao longo das últimas quatro edições do ITM:

1) o número de municípios que hoje têm uma página dedicada à transparência municipal nos seus websites tem aumentado;

2) o número de municípios que hoje participa na fase de contraditório aumentou dez vezes em relação à primeira edição;

3) a pontuação global do ITM tem vindo a melhorar, ultrapassando este ano a fasquia dos 50%;

4) pela primeira vez, um município de pequena dimensão e do interior do país conseguiu alcançar a pontuação máxima, o que significa que é possível fazer melhor, basta que para tal haja liderança, empenho e estratégia.
10. A TIAC reconhece com agrado o esforço positivo desenvolvido pelos vários municípios no sentido de darem cumprimento aos vários indicadores que compõem o ITM, destacando em particular o aumento do número de municípios que participa na fase de contraditório. Na verdade, a leitura do ITM ao longo dos seus quatro anos de existência traça um retrato muito positivo e encorajador do esforço consistente que tem sido feito por milhares de municípios na melhoria da sua comunicação pública e no incremento de boas políticas de acesso a informação. Também por isso estranhamos e lamentamos o teor dos comentários feitos por V. Exa., que tão mau serviço prestam aos associados da ANMP, ao desvalorizarem o investimento da maioria dos autarcas portugueses nesta matéria. Felizmente – e disso nos chegam ecos quotidianos – a maioria dos municípios encara o diálogo com a sociedade civil e a academia como contributos valiosos para o aprofundamento da democracia local, não como uma intromissão externa a reprimir ou combater.
11. Apesar dos assinaláveis avanços feitos pelas Câmaras Municipais na disponibilização de informação nos seus websites, a TIAC alerta para a necessidade dos municípios serem mais proativos, consistentes e consequentes em matéria de transparência e responsabilização. Não basta “ficar bem na fotografia”, é preciso encetar reformas que melhorem globalmente a qualidade da governação, da relação dos cidadãos com as instâncias de poder e do funcionamento dos órgãos democráticos. Conseguir uma boa posição no ranking anual do ITM não deve ser entendido como um fim em si mesmo, mas como um incentivo e uma ferramenta de trabalho que permita aos municípios progredirem na infindável tarefa de proverem bom governo aos seus cidadãos.
12. Ao longo das várias edições têm sido detectadas várias disfunções na disponibilização de informação nos websites dos municípios: alguns municípios em pleno Século XXI não dispunham de website próprio ou na melhor das hipóteses recorriam a aplicações e serviços de redes sociais (ex. Facebook, Twitter e outros) para difundir algumas atividades organizadas ou apoiadas pelo município; outros tinham o website “fora de serviço” ou desatualizado meses consecutivos, mesmo tendo um orçamento e staff dedicado para o efeito; vários municípios ignoraram por completo a fase de contraditório, mas sentiram-se no direito de contestar os resultados após a sua divulgação pública; outros introduziram informação em falta durante a fase de contraditório; no inverso, outros retiraram informação dos seus websites já depois da fase de contraditório ou de publicação do Índice; outros ainda têm mais do que uma página ativa com conteúdos díspares; etc. Perante estas incongruências, a TIAC assumiu sempre uma atitude construtiva e pedagógica. Basta referir, por exemplo, que no primeiro ano, foi decidido não pontuar nenhum município com zero. Na última edição, optamos por não publicitar os 10 últimos municípios, focando a nossa comunicação nos que têm melhor desempenho ou que estão a evoluir positivamente.
13. Não obstante as várias garantias metodológicas introduzidas ao longo das várias edições e a validação e reconhecimento científico internacional do ITM, lamentamos que passados 40 anos de Poder Local democrático ainda subsistam reticências e resistências, por parte dos dirigentes da ANMP e de alguns autarcas, quanto à legitimidade da sociedade civil (academia e ONGs) escrutinar o desempenho das instituições que ocupam temporariamente e mediante a delegação de poder através do voto popular. Atitude bem diferente tem sido assumida pela Associação dos Trabalhadores da Administração Autárquica (ATAM), que não só esteve envolvida desde o início nas atividades da TIAC neste domínio, como tem promovido a ferramenta junto dos seus associados e do público em geral, através de várias iniciativas conjuntas de difusão, que muito agradecemos e enaltecemos. Nunca é tarde recordar que o contributo importante do Poder Local para o desenvolvimento do território e das suas populações e no processo de consolidação democrática não se deve apenas à visão e empreendedorismo de alguns autarcas, mas sobretudo dos milhares de trabalhadores da administração autárquica que desempenham de forma exemplar e dedicada as suas funções para melhor servir as necessidades das populações locais.
14. Lamentamos também que alguma comunicação social tenha optado por alimentar polémicas estéreis e infundadas, em vez de promover um debate público sobre as reformas do poder local, que a TIAC teve a oportunidade de introduzir há mais de um ano através da obra A Reforma do Poder Local em Debate, publicada pela Imprensa de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e em relação à qual sugerimos, desde já, uma leitura atenta neste ano de eleições autárquicas”.

 

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